Como sempre ocorre nas democracias, teve efeito contrário a iniciativa de procurar ocultar do público a troca de mensagens entre a primeira-dama Marcela Temer e um hacker que tentava extorqui-la. O delinquente já foi preso, julgado e condenado a mais de 10 anos de prisão, mas o assunto voltou à pauta e só ganhou grande destaque depois que um juiz de Brasília, acionado pelo subsecretário de assuntos jurídicos da Presidência da República, proibiu os jornais O Globo e Folha de S. Paulo de divulgar o conteúdo hackeado.
Em reação previsível a essa cadeia de equívocos, o resultado foi a ampla divulgação do arbítrio chancelado pelo juiz da 21ª Vara Cível de Brasília e do próprio conteúdo vetado. A decisão do juiz contraria frontalmente a Constituição e colide com uma manifestação da ministra Cármen Lúcia quando do julgamento pelo STF da liberação de obras biográficas sem a autorização do biografado ou de seus familiares. "Cala boca já morreu", afirmou a presidente do Supremo em 2015, transformando a expressão popular num slogan particular para reafirmar que "não há democracia sem uma imprensa livre, não há democracia sem liberdade e ninguém é livre sem acesso às informações".
A imprensa não é, como qualquer ente de um país democrático, imune a críticas, erros ou mesmo ações penais. No entanto, como bem alertaram entidades ligadas à comunicação, qualquer ação só pode ser adotada a posteriori. Proibir a divulgação caracteriza-se, com todas as letras, em censura prévia, o que o Brasil já imaginava sepultado ao fim da era de chumbo. Diante dessa realidade, o mínimo que se espera é que o Judiciário reveja a decisão equivocada e que o governo passe a controlar seus impulsos autoritários.