Pelos mares onde, a partir do século 15, caravelas europeias invadem a América, com galés cheias de escravos da África negra, forma-se O Triângulo do Atlântico.
É o tema de Alfons Hug para a 11ª Bienal. Saber quem somos. Europa, África e América, a exposição revela indícios deste fluxo migratório na arte contemporânea.
O triângulo somos todos nós. Sepé Tiaraju, líder guarani contra os espanhóis. Cecília, filha de português, que ama Peri em O Guarani. O negro Lupicínio Rodrigues, que canta "a saudade no meu peito ainda mora".
Dona Eva Sopher, fugindo do nazismo na Alemanha para salvar o Theatro São Pedro. Maestro Radamés Gnatalli, filho de gaúcha e de um italiano que tanto gostava de ópera, que batizou os filhos com personagens de Verdi.
É Luis Cosme e sua suíte orquestral Salamanca do Jarau no Teatro Municipal, sob a regência de Villa-Lobos. Pablo Komlós, judeu da diáspora húngara e um dos criadores de nossa Orquestra Sinfônica.
É o Triângulo do Atlântico, amálgama de séculos de história, onde se fundem indígenas, europeus e africanos, numa mescla que Darcy Ribeiro chama de povo brasileiro.
Rompem-se limites. Oscar Peterson encanta a Europa, com a bossa nova de Tom Jobim. Erico Verissimo leva Olhai os Lírios do Campo aos quatro cantos do mundo. E Ieda Maria Vargas torna-se Miss Universo.
Gisele Bündchen é a modelo mais famosa do mundo. Randon circula até na Argélia de Camus. Num jantar em Dusseldorf, os talheres são Tramontina! Antarctica Paulista e Brahma viram Ambev. E o mundo bebe Budweiser, Stela Artois e Brahma.
Metáfora do poder de transpor limites, a 11ª Bienal recebe em Porto Alegre obras que representam a criação humana surgida a partir do Triângulo do Atlântico.
Como lembra a curadoria de Hug, Heródoto, há 25 séculos, reclama das muitas embarcações enviadas à África, sem que o misterioso continente mande de volta sequer uma resposta.
Hoje, centenas de barcos famintos partem do Norte da África, em busca de uma entrada na Europa, pela Ilha de Lampedusa e Sicília. Reclamam, quem sabe, um direito histórico de passagem pelos três vértices do triângulo.