Lembro, como se fosse hoje, de uma noite de verão, há cerca de 30 anos. No alpendre da casa de praia, onde não havia muros ou cercas, ouvia, com ouvidos de surpresa, meu saudoso pai contar histórias de uma Porto Alegre do passado, sem violência, na qual as pessoas sentavam à noite nas calçadas para conversar e não raramente deixavam de trancar as portas das casas.
No giro do tempo, sob aquele mesmo alpendre, hoje envolto por grandes cercas, me pego repetindo a mesma conversa, agora com minhas filhas. Conto como eram bacanas aqueles veraneios, de um tempo em que era possível confraternizar com os vizinhos de férias com apenas um passo, sem as barreiras das telas. A maior ameaça de invasão à propriedade era o vendedor que, ganhando a vida, oferecia com voz cantada os puxa-puxas que trazia no cesto.
As grades – as que nos segregam dentro de nossas próprias casas ou as que construímos para depositar pessoas – são a mais clara evidência do nosso fracasso enquanto sociedade.
Pior: não há forma mais inefetiva de combater a violência, pois o encarceramento, sem o propósito de recuperar ou sem a preocupação de preservar um mínimo de dignidade humana, serve apenas para formar e organizar o crime, despejando na rua pessoas brutalizadas, prontas para matar e sem medo de morrer.
Tentando reagir ao caos da violência, pensamos apenas no mais fácil e imediato: a repressão. Construir presídios e colocar mais policiais nas ruas são medidas importantes, mas absolutamente inócuas para a solução definitiva. Esta passa, necessariamente, por políticas públicas e sociais para incluir e educar, permitindo que os jovens das periferias pobres tenham melhores opções de vida que aquela hoje oferecida pelos traficantes.
Triste constar, mas no Brasil, nos últimos anos, a única coisa que efetivamente se organizou e prosperou foi o crime: nas cadeias, marcadas por facções, ou no Congresso, tomado pela corrupção. Talvez por isso, sem esperança e por desespero, nós, pessoas ditas livres, continuamos erguendo, à nossa volta, cercas cada vez maiores, símbolo definitivo e triste da involução de uma sociedade.