Em 1969, enquanto a Guerra do Vietnã dividia a opinião pública dos Estados Unidos, Richard Nixon clamou pelo apoio da "grande maioria silenciosa" que não tinha o costume de interferir nos processos políticos do país. Duas semanas atrás, fortalecido pela reabertura da investigação do FBI contra Hillary Clinton, Donald Trump usou o mesmo termo para pedir o voto do eleitor estadunidense indeciso. Foi justamente essa fatia da população que não teve sua voz ouvida nas pesquisas recentes. Com base nisto, duas são as considerações prévias que nos ajudam a entender a inesperada vitória do candidato republicano.
Em primeiro lugar, a campanha de 2016 marca a definitiva queda do sistema de amostragem política que fez sucesso no começo deste milênio. Até o começo da manhã de terça-feira, Donald Trump não era favorito em nenhum modelo, e nenhuma pesquisa indicava um caminho claro para ele chegar à presidência. Estados como Flórida e Carolina do Norte chegaram a entrar na coluna democrata no domingo, e a expectativa média era de que Hillary começasse a apuração com no mínimo 250 votos garantidos no colégio eleitoral. Mesmo com o grave erro nas pesquisas da primária democrata em Michigan (quando Sanders ganhou de Clinton) e com o exemplo recente do Brexit, nenhum estatístico estadunidense sequer questionou a metodologia adotada para medir o índice de participação do eleitor nas urnas, e não foi cogitada a possibilidade de um fluxo maior de eleitores na zona rural, base da maioria silenciosa. O choque causado pelos resultados desta eleição passa diretamente pela falta de compreensão do enorme crescimento da campanha de Trump no mês de outubro fora da área urbana.
A segunda consideração diz respeito a uma falácia consolidada com as vitórias de Barack Obama: a chamada "fortaleza democrata". Pensava-se que Trump jamais conseguiria a maioria dos votos em Estados como Pensilvânia e Wisconsin. O republicano não apenas venceu nessas regiões, como também demonstrou enorme competitividade em Michigan (berço dos Democratas de Reagan), Nova Hampshire e Virgínia. Essa ideia da fortaleza intocável de Hillary, constantemente propagada pela mídia justamente por conta das pesquisas de opinião, teve impacto direto na formulação de sua estratégia final, focada apenas na Carolina do Norte, Flórida e Nevada.
Escondida e decidida, a grande maioria silenciosa chocou o mundo.