A idade avançada tem inúmeros inconvenientes que me dispenso de enumerar, porque são conhecidos de todos. Mas também oferece a vantagem de trazer-nos à mão uma bagagem de informações e de lembranças que faz muita falta aos mais jovens.
Nas eleições municipais, ainda pendentes de um segundo turno, uma corrente expressiva de opinião, assaltada pelo desencanto, optou pela abstenção ou pelo voto nulo, na crença vã de que tal forma de protesto político pudesse ter milagrosa eficácia. Uma velha experiência nos ensina que as omissões e a abstenção não geram fatos nem produzem quaisquer efeitos, além de umas manchetes na mídia e alguns comentários de colunistas com escassez de assunto. A História, recente ou remota, está recheada de exemplos. A abstenção da oposição venezuelana contra Chávez permitiu que este elegesse uma Assembleia Constituinte quase unânime, que abriu caminho à degradação constitucional e à instalação de uma tirania legislativa que até agora está oprimindo a maioria da população.
Mas a memória me faz recuar ao Brasil de 1970, quando a ditadura militar se tornara escancarada depois do Ato Institucional n° 5, com a supressão dos partidos antigos e a criação de dois novos, "para inglês ver", a fim de simular perante o mundo a sobrevivência da democracia. Entre os que se opunham ao regime militar, o clima era de desespero: pareciam fechados todos os caminhos para o resgate das liberdades e a restauração dos direitos políticos. Alguns optaram pelo caminho, sem volta, da violência armada. Outros – a grande maioria –, optaram pela paciente espera por melhores dias e pelo uso das frestas que o autoritarismo deixara ainda abertas ou esquecera de fechar aos seus opositores. Foi assim que o MDB, recém nascido para exercer a oposição, teve de enfrentar as eleições legislativas de 1970. Uma forte corrente defendia, então, o voto nulo ou branco como instrumento de protesto, mas não alcançou senão 15% dos sufrágios. O suficiente, entretanto, para dar a vitória, no Estado, ao partido oficial, a Arena, que levou Tarso Dutra e Daniel Krieger ao Senado. O pífio protesto da abstenção resultou em vitória da ditadura.