A confusão brasileira não acabou com a remoção definitiva de Dilma Rousseff. A despeito disso, parece ter chegado a hora de refletir sobre como ajudar o Brasil a sair do atoleiro em que o governo anterior nos meteu.
Não, esse não é mais um artigo sobre a necessidade de levar a cabo as reformas ficais – a da Previdência, a emenda constitucional para o teto dos gastos. Já há consenso suficiente sobre a necessidade de ter algo que permita restaurar a sustentabilidade de médio e longo prazo das contas públicas. O governo parece empenhado em seguir em frente com essa agenda. Contudo, é preciso reconhecer que reformas fiscais sofrem das chamadas defasagens de implantação, isto é, levam tempo para superar os trâmites burocráticos e os entraves políticos. Além disso, as reformas fiscais, ainda que sejam possivelmente benéficas para a restauração da confiança no país, têm efeitos imediatos negativos sobre a renda. Afinal, contemplam a redução de gastos e o corte de benefícios. Por essas razões, o caminho para sair do atoleiro é mais amplo do que o foco quase exclusivo na política fiscal de médio prazo.
O caminho para sair do atoleiro precisa de choque de criatividade. É compreensível que o governo tenha certo temor da criatividade, visto que o legado de Dilma Rousseff tenha sido caracterizado por grau de criatividade altamente destrutivo. Contudo, o Brasil, PhD em crises, jamais conseguiu superá-las sem boa dose de criatividade. Foi assim com o Plano Real, em meados dos anos 90. Foi assim, também, para os países que sofreram as consequências mais severas da crise de 2008. As inovações na política monetária estão aí para mostrar que situações extraordinárias exigem soluções igualmente extraordinárias. Quais seriam possíveis propostas para o Brasil?
A primeira trata do tema privatizações e concessões. Diante do alto grau de endividamento das empresas locais, é razoável supor que elas não disporão de grande poder de fogo para investir nos planos do governo. Portanto, para que as privatizações decolem, será necessário contar com o apetite do investidor estrangeiro. Como incentivá-lo? Uma maneira é considerar seriamente o uso de parte das reservas internacionais para prover proteção cambial aos investidores que quiserem aportar recursos aos projetos de infraestrutura brasileiros. Com o financiamento concedido em moeda estrangeira e os retornos denominados em reais, garantias dadas pela utilização de parte das reservas poderiam aumentar o incentivo que esses investidores teriam de colocar recursos no país, acelerando o processo de retomada da economia. Trata-se não de uma bala de prata que resolve todos os problemas da noite para o dia, mas de forma de sustentar uma agenda positiva, cujos efeitos imediatos são a elevação do investimento e da renda agregada do País, ao contrário do que ocorre com a agenda única de ajuste fiscal.
A segunda medida que acredito ser urgente é a redução imediata das taxas de juros brasileiras. Em situação ideal, os juros seriam reduzidos após o encaminhamento do ajuste fiscal. Duvido que isso ocorra em breve. Portanto, proponho a redução tempestiva dos juros, o que aliviaria as dívidas do governo, das famílias, das empresas. Além disso, beneficiaria as contas públicas ao afetar diretamente a salgadíssima conta de juros do governo. No contexto atual, não acredito que os mercados reagiriam mal a essa iniciativa Além disso, a recessão por si já garante a queda da inflação, ainda que lenta, como temos visto. Por fim, muitos analistas de mercado já apoiam a redução dos juros pelo BC. A redução dos juros também traria benefício indireto para as contas públicas: ao reduzir o custo de servir a dívida das empresas, abre-se espaço para que elas voltem a pagar impostos, melhorando as perspectivas de arrecadação.
Por fim, o BNDES. Como já defendi em outras ocasiões, urge reduzir o papel do BNDES como fonte primária de recursos para projetos de prazo mais longo. O ideal seria ter um BNDES com a responsabilidade de coordenador de estruturas de syndicated loans, onde os participantes são atores do setor privado - provavelmente, os investidores estrangeiros, que podem ser melhor atraídos com garantias como o uso de reservas para mitigar risco cambial.
Esse é esboço inicial de ideias. Fica a sugestão para que o governo brasileiro pare de olhar para os problemas que nos afligem com uma lente só. Fica a sugestão para que recupere a abundante criatividade produtiva brasileira, passada a era funesta de criatividade destrutiva de Dilma Rousseff na economia.