Quando eu era criança, meu consumismo aflorava diante de duas coisas: bichos de pelúcia (eu tinha vontade de dar abraços de Felícia em todos eles) e lojas que vendiam fantasias. Eu ganhei vários bichos de pelúcia, mas nunca ganhei uma fantasia. Meus pais achavam que seria um desperdício porque eu não teria onde usar. Eu morava em Três Passos e lá só era normal uma criança usar fantasia no carnaval infantil. Mas na minha cabeça eu poderia usar as fantasias no dia a dia. Eu me imaginava indo no colégio de fantasia ou vestindo ela pra ficar em casa mesmo. Não conseguia ver problema nisso.
Mudando do saco pra mala, as meninas do Anchieta se rebelaram contra a proibição ao uso do shortinho. Eu adorei o fato de elas terem se rebelado. Mas por outro lado, embora entenda porque essa questão esteja sendo tratada como um manifesto feminino contra o machismo, acho que ela vai muito além de um conflito de ismos e que reduzi-la a uma questão feminina colabora muito mais para reforçar o sexismo do que para aboli-lo.
O direito das meninas vestirem shortinho curto, comprido, largo, justo, rasgado, colorido, estampado ou de não vesti-lo é também o direito dos meninos de usarem ou não usarem shorts, camiseta regata e chinelo. É também o direito às saias e vestidos, à gravata e à maquina zero no cabelo, ao rosa e ao azul para meninos e meninas, independentemente de gênero. É o direito de trabalhar de camiseta, cueca samba canção e bota, como fez um amigo meu esses dias, e de usar fantasia no dia a dia como eu queria fazer em 1992. É um direito que não pertence a um gênero, uma classe, uma raça, um credo ou um grupo. Pertence ao indivíduo, qualquer que seja ele. É um direito que compõe a liberdade de expressão, natural e inalienável. É claro que seremos socialmente julgados por falar o que falamos, pensar o que pensamos, vestir o que vestimos, expressar o que expressamos. O que não pode acontecer é que qualquer um de nós seja proibido de falar, pensar, vestir, expressar.