Em suas seis décadas de vida pública, Leonel Brizola conseguiu como poucos arrebanhar uma legião de fãs - e também os seus desafetos. Um político com referenciais sólidos, coragem para comprar brigas e capacidade de mobilizar pessoas sempre será amado e odiado, na mesma intensidade. E assim foi o ex-governador até sua morte, em junho de 2004, aos 82 anos.
Por maiores que tenham sido as suas realizações - como a de ter impedido o golpe militar em 1961 -, Brizola era um político com predomínio no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Jamais conseguiu penetração em São Paulo e no Nordeste, duas partes essenciais do Brasil para quem tem pretensões de chegar à Presidência. O mais perto que conseguiu chegar foi em 1989, já com a democracia restaurada, quando ficou em terceiro lugar, atrás de Lula, perdendo a chance de disputar o segundo turno com Fernando Collor.
A partir daí, Brizola foi perdendo terreno, suas propostas passaram a ser vistas como retrógradas, seus discursos eram considerados enfadonhos. Ao mesmo tempo em que era cobiçado na formação das alianças eleitorais, era renegado na hora de tentar emplacar seus projetos de governo. A esquerda (leia-se o PT), principalmente, tinha aversão a suas propostas.
Dentro do PDT, Brizola tomava atitudes com mão de ferro, não permitindo o contraditório, deixando escapar lideranças que buscavam luz própria e até companheiros de décadas. Foi em meio a esse cenário que Dilma Rousseff deixou o partido, no início de 2001, nove anos antes de se tornar a primeira mulher a presidir o país. No segundo turno da eleição à prefeitura de Porto Alegre, em 2000, Dilma apoiou o candidato do PT, Tarso Genro, e não o de seu partido, Alceu Collares.
Na época, Dilma ocupava a Secretaria de Energia e Minas do governo Olívio Dutra (PT). No entanto, a maior expressão política que havia deixado o PDT não era Dilma, e sim Sereno Chaise, prefeito cassado de Porto Alegre, amigo de Brizola. Sereno, Dilma e os demais que abandonaram a sigla foram acusados por Brizola de votar em Tarso em troca da manutenção de seus cargos no governo Olívio. Ele chegou a dizer que o grupo dissidente havia se vendido por um prato de lentilhas.
Não fosse esse episódio, que a levou a se filiar ao PT e a ser "descoberta" por Lula, Dilma não estaria onde está.
Ao autorizar, há duas semanas, a inscrição de Brizola no livro dos heróis da pátria - proposta que partiu do deputado Vieira da Cunha (PDT) -, imagino que Dilma deva ter pesado na balança os prós e contras da trajetória do líder trabalhista e chegado à conclusão de que a sua relevância para o país foi infinitamente maior do que qualquer divergência político-partidária.