Ontem passei pela lojinha de dona Ethel. Não queria comprar nada, queria lhe dar uma ideia. Dona Ethel, já escrevi sobre, é uma senhora que tem uma pequena loja de brinquedos aqui em Boston, e que no último 23 de agosto completou 103 anos de idade. Ela está sempre sorrindo, sempre de bom humor. Atende as pessoas com um pequeno cartaz colado no peito, onde se lê, escrito à mão: "Eu amo os meus clientes".
De alguma forma, também amo dona Ethel. Não por sua longevidade, que viver muito não é mérito, é graça. Por sua leveza.
Dona Ethel trabalha todos os dias, agora em horário reduzido, só à tarde. Dela, você só extrairá coisas boas. Nenhum traço de ressentimento com tantas pessoas que passaram por sua vida, nenhuma mágoa com as contingências do destino, nada. Por isso fui a sua loja para fazer-lhe uma sugestão, a fim de tornar sua já longa existência ainda mais animada e colorida. Foi a seguinte: usar as redes sociais da internet.
Você deve estar desferindo um tapa na testa, dizendo que internet é coisa de gente jovem. É o contrário. Jovens, o que os jovens fazem com seus hormônios pululantes, seus músculos flexíveis e suas peles luzidias? Eles atendem ao formigante chamado da natureza, o grito tão gutural quanto ancestral que demonstra que o sentido da vida é renovar a vida. Assim, os jovens dançam a dança do acasalamento e anseiam pela reprodução, mesmo sem saber que é por ela que pulsa sua ânsia. E os jovens saem à rua com bocas entreabertas e olhos semicerrados, e uivam para a lua, e trocam olhares com outros jovens, e flexionam os músculos, e atiram cabeleiras para o alto, e gastam energia, e são rebeldes, revolucionários, precipitados, equivocados e deslumbrantes.
As noites e os dias dos jovens são frementes.
Já uma senhora centenária, viúva, que não tem mais com quem trocar ideias acerca dos bons tempos do entreguerras, o que essa senhora devia fazer?
Obviamente, abrir um perfil no Facebook.
Presto! Acabaram-se os dias solitários. Dona Ethel poderia desenvolver um ou mais perfis fakes e transformar-se numa hater. É muito construtivo ser um hater. Você pode encontrar coisas ruins em qualquer pessoa, em qualquer ação, em qualquer lugar, em tudo! Usando os adjetivos certos, você poderá ser mordaz sempre, e sempre parecerá inteligente.
Há 7 bilhões de seres humanos respirando no planeta. Todos eles podem ser ridicularizados. Melhor: os mortos também! Agora mesmo, um bostoniano criou um movimento anti-Renoir. Renoir, você sabe, é um pintor francês impressionista que morreu há quase 100 anos. Há quadros de Renoir no Fine Arts, um importante museu aqui da cidade. Pois esse rapaz que odeia Renoir deu-se ao trabalho de criar uma conta no Instagram chamada Renoir Suks, reuniu milhares de adeptos e, não satisfeito, pintou cartazes contra o pintor e, com outras quatro pessoas, foi para a frente do museu a fim de fazer um protesto.
Não é uma forma agradável de gastar o tempo?
Dona Ethel estava viva quando Renoir pintava. Não sei se ela o odeia. Acho que ela não odeia nada nem ninguém. Mas agora, depois da minha dica, vai odiar. Ah, vai.