O sistema prisional gaúcho vive o seu pior momento da história. Se não bastasse o Estado do Rio Grande do Sul ser denunciado na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela superlotação e péssimas condições dos presídios, principalmente o Central, com crimes comandados de dentro das galerias, como os dessas escutas telefônicas feitas pelo Ministério Público...
"Puxa o cara para fora e troca o bagulho. Não vai dar só um. Dá dois ou três".
...e após 30 anos, presos voltando a ser mantidos em celas de delegacias por falta de vagas nas cadeias, como destacado em julho deste ano também pela Rádio Gaúcha...
"Estamos sendo tratados pior que um cachorro".
...o que parecia ser impossível de piorar, pois ficou ainda pior.
Nesta quarta-feira (26), presos se amontoavam em porta-malas de viaturas, porque não havia vagas nem sequer nas celas das delegacias. Alguns aguardavam há mais de 24 horas a transferência para o sistema prisional. Policiais militares tiveram que comprar água do próprio bolso para dar aos presos, que ficavam encurvados nos veículos por falta de espaço. Numa das viaturas, dois deles dividiam o espaço na mala de uma Renault Duster. Eram presos por tráfico de drogas, roubo a veículos e foragidos por outros crimes.
No último levantamento feito às 17h desta quarta-feira, havia outros três presos em viaturas que aguardavam desde o início da tarde ingresso nas celas de delegacias ou no sistema prisional. As tampas dos porta-malas ficavam abertas para entrada de ar. Além de monitorar as viaturas ocupadas, os policiais militares tinham que acompanhar presos até o banheiro do Palácio da Polícia quando necessário, quando deveriam estar nas ruas fazendo a segurança da população. Até mesmo os policiais da Força Nacional de Segurança, que estão no Estado para reforçar o policiamento em função do aumento da criminalidade, estavam parados, tendo que custodiar presos.
Na carceragem da 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), que fica no Palácio da Polícia, eram 16 presos. Na 3ª DPPA, oito, e havia dois presos custodiados em hospitais.
O problema, no entanto, se estendia para toda a Região Metropolitana. Em Canoas, eram 16 presos, em Novo Hamburgo, 13, em São Leopoldo, 10, em Gravataí, seis, e em Viamão, nove presos em celas de DPs.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) afirma que vai receber os presos no sistema prisional assim que vagas forem liberadas.
Polícia Civil
Responsável pelas delegacias de pronto-atendimento de Porto Alegre, o delegado Marco Souza conversou com a Rádio Gaúcha em frente às viaturas que serviam de celas provisórias. Ele admite que nunca tinha visto situação semelhante no Estado.
"Nós estamos neste momento com as nossas estruturas esgotadas. Nós temos presos desde o dia 18 dentro de salas que eles deveriam ficar no máximo algumas horas. Eu nunca tinha visto uma situação assim".
Fábio Castro é vice-presidente da Ugeirm Sindicato, que representa os agentes da Polícia Civil.
"Eu sou policial civil há 23 anos. Até hoje, este tipo de coisa nunca tinha acontecido. Inclusive o Rio Grande do Sul era reconhecido nacionalmente como um Estado que não tinha problema em carceragem. Uma situação como essa causa um prejuízo e coloca em perigo a vida dos policiais".
Brigada Militar
Perguntado se não era o caso de trazer um veículo maior para colocar os presos espremidos nas viaturas, o comandante do policiamento da capital, coronel Mário Ikeda, ponderou.
"Essa situação de eu colocar uma viatura maior, nós poderemos até fazer, se houver a necessidade, mas são cuidados que nós devemos ter".
Judiciário
O juiz-corregedor do Tribunal de Justiça, Alexandre Pacheco, afirma que a situação gravíssima já vem sendo alertada pelos magistrados.
"Há muito tempo os juízes da execução penal de Porto Alegre Alertam o poder4 executivo da necessidade de reestruturar do sistema prisional, da ampliação de vagas e até o momento muito pouco ou quase nada foi feito".
Defensoria Pública
O subdefensor público-geral para assuntos jurídicos do Estado, Tiago Rodrigo dos Santos, analisa caso a caso dos presos em viaturas.
"A Defensoria Pública está identificando cada um desses presos e encaminhando pedidos aos juízes encaminhar a um local próprio para restrição da liberdade, seja para colocação deles numa situação, como a de tornozeleira".
Ordem dos Advogados do Brasil
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul, Ricardo Breier, diz que uma CPI na Assembleia Legislativa precisa apurar o caos no sistema prisional e por consequência na segurança pública como um todo.
"Por isso nós vamos encampar a CPI da Segurança Pública para que o parlamento possa contribuir com esse debate com informações no sentido de que descubram onde está o dinheiro investido".
Governo do Estado
O secretário estadual da segurança, Cezar Schirmer, disse que o Governo do estado pretende construir dois centros de triagem para desafogar presídios, mas não falou em prazo.
"Nós não vamos deixar de prender. Já tem a previsão da construção de centros de triagem. Não se constrói esses locais de um dia para noite. Delegacia não é presídio. A Susepe tem que encontrar solução para isso".
Direitos Humanos
Para presidente do Movimento de Justiça de Direitos Humanos, Jair Krischke, o descaso passou de todos os limites.
"Eu, por exemplo, me orgulhava andando pelo Brasil dizendo que o Rio Grande do Sul era o único sem presos em delegacias. Se não bastasse isso é preso em viaturas policiais. Nós precisamos de medidas urgentes e acho que o Judiciário e deveria ter tomado providências".