As forças do governo sírio perderam o controle total de Aleppo, a segunda maior cidade do país, pela primeira vez desde o início da guerra civil, informou neste domingo (1º) uma ONG, após a ofensiva relâmpago de uma coalizão de grupos rebeldes que representa um duro golpe para Bashar al Assad.
A aliança de milícias rebeldes dominada pelo grupo islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS) iniciou na quarta-feira um assalto avassalador para tomar Aleppo, deixando 412 mortos, a maioria combatentes, mas também ao menos 61 civis, reportou o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
Quarenta quilômetros ao norte de Aleppo, combatentes apoiados pela Turquia "tomaram o controle da cidade de Tal Rifat" e de várias localidades vizinhas, uma posição estratégica, segundo o OSDH, uma ONG com sede no Reino Unido que conta com uma ampla rede de informantes no terreno.
O grupo HTS e outras facções rebeldes aliadas "controlam Aleppo, com exceção dos bairros sob o controle das forças curdas", declarou à AFP Rami Abdel Rahman, diretor do OSDH.
O presidente sírio Bashar al Assad prometeu reprimir com firmeza essa ofensiva "terrorista" e, mais tarde, reuniu-se com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, que foi a Damasco.
Assad destacou "a importância do apoio de aliados e amigos para enfrentar os ataques terroristas apoiados do exterior", após o encontro com o emissário de um aliado-chave.
Estes são os maiores confrontos em vários anos na Síria, onde a guerra civil eclodiu em 2011 depois que o governo Assad reprimiu brutalmente protestos pacíficos.
A revolta popular se transformou em uma guerra aberta na qual se envolveram potências regionais e mundiais, bem como grupos rebeldes, o que deixou meio milhão de mortos, milhões de deslocados e um país fragmentado.
Os insurgentes liderados pelo HTS controlam grandes extensões de território na província de Idlib (noroeste) e partes de Aleppo, Hama (centro) e Latakia, esta última com saída para o Mediterrâneo.
Os curdos sírios estabeleceram, por sua vez, uma autoridade autônoma apoiada por uma força militar em áreas do noroeste, mas o OSDH reportou que há 200 mil curdos-sírios no norte da província de Aleppo que estão "sob assédio de milícias pró-turcas".
O regime sírio, com apoio de Rússia e Irã, iniciou uma contraofensiva em 2015 que lhe permitiu recuperar gradualmente o controle de grande parte do país.
- 'Entrincheirados em casa' -
A campanha militar insurgente teve início na quarta-feira, quando um frágil cessar-fogo no Líbano entre Israel e o movimento islamista Hezbollah, apoiado pelo Irã, entrou em vigor após dois meses de guerra.
Os rebeldes tomaram dezenas de cidades em sua marcha em direção a Aleppo, cuja rica história está incorporada em sua imponente cidadela na cidade velha, inscrita pela Unesco na lista de patrimônios mundiais em perigo.
A Rússia - cuja aviação foi crucial para a recuperação do governo sírio no conflito - voltou a bombardear Aleppo pela primeira vez desde 2016, de acordo com o OSDH.
Em Aleppo, um fotógrafo da AFP viu veículos carbonizados. No interior de um deles, jazia o corpo de uma mulher no banco traseiro.
"Estamos entrincheirados em casa", contou um morador que pediu para não ser identificado por motivos de segurança.
Os rebeldes "estão tentando fazer cara de bonzinhos e tranquilizar a população. Eles forçaram as padarias a trabalharem a noite toda e distribuíram pão grátis nos cruzamentos hoje", acrescentou o morador.
- Uma 'lembrança de quão frágil é o regime' -
Aaron Stein, presidente do Foreign Policy Research Institute (FPRI), com sede em Washington, indicou que "a presença da Rússia se reduziu consideravelmente e os rápidos bombardeios aéreos em resposta têm utilidade limitada".
O especialista considerou esta ofensiva dos rebeldes como uma "lembrança de quão fraco é o regime".
Aron Lund, do centro de estudos Century International, indicou que parece que o regime sírio perdeu Aleppo e destacou que, na Síria, "um governo sem Aleppo não é realmente um governo funcional".
Em Idlib, há corpos em um hospital e carros incendiados nas ruas, segundo consta nas imagens da AFP, depois que o OSDH reportou que um bombardeio russo matou pelo menos oito civis neste domingo, entre eles duas crianças.
O Oriente Médio tem sido abalado desde outubro de 2023 pela guerra entre Israel e o movimento palestino Hamas em Gaza, e agora está no limite com o frágil cessar-fogo acordado entre Israel e o Hezbollah.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou neste domingo que "acompanha constantemente os acontecimentos na Síria".
O noroeste da Síria permaneceu em uma calma inquietante nos últimos anos, possibilitada por um cessar-fogo estabelecido após uma ofensiva do regime em março de 2020, intermediado por Rússia e Turquia.
* AFP