O Peru aprovou, nesta sexta-feira (9), uma lei que prescreve crimes contra a humanidade cometidos antes de 2002 na luta contra guerrilhas, uma iniciativa que beneficiará o ex-presidente Alberto Fujimori e 600 militares processados.
Em meio à rejeição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a lei foi publicada no Diário Oficial depois que o governo decidiu não analisá-la.
O texto anula processos por supostos crimes cometidos durante o conflito interno ou na "guerra ao terrorismo", segundo as autoridades da época, que deixou mais de 69 mil mortos e 21 mil desaparecidos entre 1980 e 2000.
Segundo a norma, "ninguém será processado, condenado ou sancionado por crimes contra a humanidade ou de guerra, cometidos antes do dia 1º de julho de 2002", quando entrou em vigência no Peru o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
De acordo com as autoridades peruanas, a lei, que entrará em vigor a partir do dia 10 de agosto, serve para especificar a aplicação e os alcances do crime contra a humanidade e dos crimes de guerra na legislação local.
- "Lei de Impunidade" -
O governo rejeitou que se trate de uma anistia encoberta ou "lei da impunidade", como apontado por grupos de direitos humanos e familiares das vítimas dos massacres cometidos pelos militares entre 1980 e 2000.
"A controvérsia reside no fato de que o que consta no Estatuto de Roma e na Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade só é aplicável ao Peru após a publicação da lei. Portanto, do ponto de vista da aplicação imediata da lei penal, não é certo que a norma promova a impunidade", disse o chefe de gabinete Gustavo Adrianzén, na quarta-feira (8).
Promovida pela maioria de direita que controla o Parlamento unicameral, a lei permitirá a prescrição automática de cerca de 600 casos de crimes de guerra investigados há mais de três décadas, anunciou o Ministério Público.
O Peru reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, que foi autorizado a intervir nos crimes de guerra e crimes contra a humanidade mais graves cometidos após 2002, quando o Estatuto de Roma entrou em vigor no país.
A iniciativa gerou, desde julho, a rejeição da Corte Interamericana de Direitos Humanos diante do risco de deixar impunes as execuções extrajudiciais e os desaparecimentos forçados perpetrados pelas forças do Estado, que marcaram as décadas de 1980 e 1990.
Esta lei beneficia o ex-presidente Fujimori (1990-2000), condenado em 2009 a 25 anos de prisão por ordenar dois massacres de civis promovidos pelo Exército em 1991 e 1992.
O ex-mandatário de 86 anos foi libertado da prisão em 7 de dezembro de 2023 sob a proteção de um indulto humanitário, apesar da objeção do sistema de justiça interamericano. Ele ficou preso por 16 anos.
- Rejeição da ONU -
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos denunciou, nesta sexta-feira, o Congresso peruano pela aprovação deste projeto de lei, que considera contrário ao direito internacional.
"Lamento profundamente que no Peru esta lei vai entrar em vigor", declarou Volker Türk em um comunicado.
Segundo Türk, "a lei viola as obrigações do país sob o direito internacional e é um desenvolvimento preocupante, em um contexto mais amplo de retrocessos nos direitos humanos e no Estado de Direito no Peru".
"Os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra estão entre as violações mais graves do direito internacional e não devem ser sujeitos a anistias ou estatuos de prescrição", disse ele.
O Estatuto de Roma, o tratado fundador do Tribunal Penal Internacional, estipula que os crimes mais graves não têm prazo de prescrição.
"A falta de responsabilização por estes crimes, sempre que forem cometidos, põe em perigo os direitos à verdade, à justiça, à reparação e às garantias de não repetição de milhares de vítimas de graves violações no Peru", afirmou Türk.
* AFP