Por Gustavo Miotti
Empresário, economista, doutorando no Rollins College (EUA) com pesquisa sobre a globalização
Momentos de turbulência e transição como os que estamos vivendo reforçam a importância de olharmos para a história. De meados do século 19 até o ano de 1914, o mundo presenciou um processo de integração sem precedentes, conhecido como globalização 1.0. Dois aspectos foram fundamentais para essa aceleração dramática na integração econômica e social: os avanços tecnológicos trazidos pela Revolução Industrial, principalmente no transporte (trens e navios a vapor) e na comunicação (telégrafo), e as políticas públicas dos principais atores políticos e econômicos com ênfase no estabelecimento do Reino Unido como a grande superpotência global.
No entanto, mudanças econômicas profundas quase sempre criam ganhadores e perdedores. As respostas políticas dos governos aos efeitos colaterais causados pelo processo acabaram por encerrar a primeira onda de globalização. Primeiramente, os proprietários europeus de terra sofreram com a concorrência de produtos alimentícios mais baratos vindos do Novo Mundo e pressionaram seus governos para aumentarem as tarifas. Ao mesmo tempo, os países do Novo Mundo também aumentaram as tarifas comerciais para se protegerem da invasão de produtos manufaturados europeus.
Os perdedores acreditavam que o capitalismo global, que recompensa os vencedores, havia perdido legitimidade e perceberam que o sistema estava contra eles. Agiram em conformidade, fortalecendo políticos populistas que atiçaram as chamas do nacionalismo, sendo uma das principais causas da Primeira Guerra Mundial e do abrupto fim da globalização 1.0.
Após o trágico fim da Segunda Guerra Mundial, o sistema de governança do pós-guerra, criado na conferência de Bretton Woods, estabeleceu um compromisso que criou as bases para a globalização 2.0 e incentivou a cooperação em várias questões mundiais, como comércio, tributação e regulação financeira. Os Estados Unidos emergiram da guerra como o líder mundial pós-colonial e foram centrais para a criação de uma ordem multilateral, supervisionada por instituições que garantiriam uma sólida governança global.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a consolidação do capitalismo como sistema econômico predominante, começou uma nova fase da globalização, agora 2.0, chamada hiperglobalização, marcada pela impressionante aceleração da interdependência entre nações (principalmente Estados Unidos e China), empresas multinacionais e indivíduos. A tecnologia novamente desempenhou um papel significativo na aceleração da globalização 2.0, através da internet e de modos de viagem e transporte de mercadorias mais rápidos e baratos, permitindo o crescimento na complexidade e tamanho das cadeias de valor e criando um boom no comércio internacional, no turismo e na educação.
A maioria dos economistas concorda que a globalização 2.0 trouxe desenvolvimento econômico e prosperidade, melhorando a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico em todo o mundo. Entre 1960 e 2016 a expectativa de vida nos países de alta renda aumentou de 68 para 80 anos, e, nos países de baixa renda, de 39 para 63 anos. A taxa de pobreza extrema, definida como uma renda abaixo da linha internacional de pobreza de US$ 2,15 por dia, foi reduzida de 38% da população mundial em 1989 para 9% em 2022.
Assim como na globalização 1.0, muitos perceberam o processo como irreversível, um ciclo de integração e interação de ideias, pessoas, empresas, instituições e governos, impulsionado pela evolução das tecnologias de comunicação e transporte.
Mesmo que considerada não intencional e não exclusivamente causadas por ela, a globalização 2.0 também produziu algumas consequências negativas relevantes, especialmente um aumento acentuado na desigualdade, o que alimentou uma reação contrária a ela. Nos últimos anos, especialmente após a grande recessão de 2007, houve uma mudança radical no alinhamento geopolítico mundial em relação à globalização. Isso parece ter alimentado uma hostilidade contra a integração econômica, política e social por parte dos dois principais patrocinadores do processo, os Estados Unidos, com o American First, e o Reino Unido, com o Brexit, bem como pelas nações ocidentais.
Desde então, a pandemia e a bênção do presidente chinês, Xi Jinping, a Vladimir Putin para a invasão russa na Ucrânia têm levado o mundo à beira de uma nova desintegração caótica com consequências inimagináveis. A história nos lembra que a globalização não é um fato inevitável, mas uma escolha.