Mais de 110 milhões de pessoas vivem atualmente em situação de deslocamento ou exílio forçado, anunciou nesta quarta-feira (14) a Organização das Nações Unidas (ONU), que considera o número recorde uma "acusação" contra o estado do mundo.
A guerra na Ucrânia, o aumento dos refugiados do Afeganistão e os combates no Sudão elevaram os números de maneira dramática nos últimos meses, destaca o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
O número de deslocados e refugiados, 108,4 milhões no fim do ano passado, registrou aumento de quase 2 milhões desde então devido ao conflito no Sudão, afirma o relatório.
Desde o fim de 2021, a quantidade de pessoas em situação de deslocamento forçado, dentro ou fora de seus países, aumentou em 19,1 milhões, o avanço mais expressivo desde que a agência da ONU começou a publicar os balanços, em 1975. O número de 110 milhões foi alcançado em maio.
— Há 110 milhões de pessoas que fugiram de suas casas devido a conflitos, perseguições, discriminações e violência, muitas vezes combinados com outros motivos e, em particular, com o impacto da mudança climática — afirmou o diretor do Acnur, Filippo Grandi, em uma entrevista coletiva em Genebra.
— Os números são uma verdadeira acusação contra o estado de nosso mundo — acrescentou.
Número em alta
Em 2022 o balanço do Acnur registrou 35,3 milhões de pessoas que buscavam refúgio em outros países e 62,5 milhões de deslocados internos.
Também foram registrados 5,4 milhões de demandantes de asilo e 5,2 milhões de pessoas, principalmente venezuelanas, que solicitaram proteção internacional.
— Temo que o balanço continuará aumentando — disse Grandi.
Os deslocados e refugiados enfrentam um "ambiente mais hostil, praticamente em todos os lugares, em particular quando trata-se de refugiados", afirmou.
Os governantes devem "convencer a opinião pública de que há pessoas que merecem obter proteção internacional", acrescentou.
Pedir asilo "não é crime"
Grandi afirmou que o plano do governo do Reino Unido de enviar solicitantes de asilo para Ruanda "não é uma boa ideia".
Já as respostas dos Estados Unidos são mais complexas, mas o Acnur está "preocupado" com as novas dificuldades que os aspirantes de asilo enfrentam no país, destacou o diplomata italiano.
No mês passado entrou em vigor nos Estados Unidos uma norma que obriga os migrantes a solicitar uma consulta por meio de um aplicativo para smartphone (CBP One) ou a aproveitar programas de reunificação familiar ou permissões humanitárias para cotas de venezuelanos, haitianos, nicaraguenses e cubanos.
Nos dois casos, o pedido de asilo deve ser processado antes da chegada aos pontos de entrada do país.
Ao mesmo tempo, Grandi elogiou o acordo anunciado este mês pela União Europeia (UE) que pretende reduzir as tensões entre os 27 países membros e dar uma resposta "relativamente justa" às pessoas em deslocamento.
O acordo obriga todos países da UE a receber um determinado número de solicitantes de asilo procedentes de outro país do bloco, que enfrenta uma grande pressão migratória, ou a fazer uma contribuição financeira em caso de recusa.
Grandi fez um apelo para que UE, Estados Unidos e Reino Unido "mantenham suas portas abertas".
— Os demandantes de asilo não devem ser detidos. Pedir asilo não é crime — destacou.
Medo pelo Sudão
Grandi pediu uma ação global urgente para aliviar as causas e os impactos dos deslocamentos e afirmou que a situação financeira do Acnur "não é boa este ano".
Os apelos da agência da ONU para enviar ajuda aos deslocados internos no Sudão conseguiram arrecadar apenas 16% dos fundos esperados. As doações para ajudar os países que acolheram os refugiados registraram apenas 13% da quantia necessária.
Quase 470 mil pessoas fugiram do país africano desde o início dos combates entre a junta militar no poder e grupos paramilitares em meados de abril, e 1,4 milhão de sudaneses se tornaram deslocados internos.
O balanço do Acnur também registrava no fim do ano passado 6,5 milhões de refugiados sírios, incluindo 3,9 milhões que vivem na vizinha Turquia.
Também havia 5,7 milhões de refugiados ucranianos, que fugiram após o início da invasão russa em fevereiro de 2022, na maior onda de refugiados na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
No ano passado, 339 mil refugiados retornaram para seus países e 5,7 milhões de deslocados internos voltaram para suas casas.