Como combater os discursos de ódio e extremismo nas redes? Esse é o principal desafio no 30º aniversário do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado nesta quarta-feira (3) no planeta. Para marcar a data, a Agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) organizou evento de aniversário na sede da ONU em Nova York. O tema escolhido é "Moldando um futuro de direitos: a liberdade de expressão como um motor para todos os outros direitos humanos".
Entre os palestrantes do evento, que transcorreu nesta terça, estavam Arthur Gregg Sulzberger (presidente da The New York Times Company e editor do The New York Times), Yalitza Aparício (atriz mexicana e embaixadora da Boa Vontade da Unesco para os Povos Indígenas) e um brasileiro, o comunicador e influenciador digital Felipe Neto.
Sulzberger, que fez o discurso de abertura, temperado com mensagem em vídeo gravada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, apontou que "jornalistas independentes e liberdade de imprensa estão sob ataque":
— Sem jornalistas que garantam notícias e informações às pessoas, temo que vamos continuar a ver o desmanche das ligações cívicas, a erosão das normas democráticas e o enfraquecimento da confiança — nas instituições e de um no outro –, que é tão essencial à ordem global.
Denúncias triplicaram no Brasil
Felipe Neto palestrou no tema "Definindo a cena". A presença dele no fórum planetário não é casual. Levantamento aponta que denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio nas redes sociais triplicaram nos últimos seis anos no Brasil. O mapeamento foi feito pelo Ministério da Justiça, em parceria com a empresa Safernet.
O maior aumento ocorreu nos ataques contra as mulheres. As agressões envolvendo intolerância religiosa, racismo e contra estrangeiros também dispararam. Outro dado apontado pela pesquisa é o crescimento dos crimes de ódio em ano eleitoral no país.
Marcelo Rech, presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e integrante do Conselho Editorial da RBS, considera sintomático que a celebração do Dia da Liberdade de Imprensa ocorra no mesmo momento em que se discute a votação do projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularmente conhecido como PL das Fake News.
— Um jornalismo livre, vigoroso e independente é o maior aliado do combate à desinformação, que tanto mal faz às sociedades democráticas — resume ele.
Notícias falsas têm mais engajamento
A ideia de regular o que se dissemina nas redes está embasada em estudos. Análise do prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT) demonstrou que informações falsas têm probabilidade de compartilhamento 70% maior do que uma verdadeira. E discursos de ódio "engajam" mais que pregações por amor.
É por isso que a Unesco apoia iniciativas similares no mundo ao projeto brasileiro de lei contra as fake news, afirma a diretora desta agência da ONU no Brasil, a gaúcha Marlova Jovchelovitch Noleto.
— Somos parceiros de propor um marco regulatório. Precisamos de uma internet de confiança. Isso é muito diferente de censura, como insistem algumas pessoas. É restringir o ambiente de ódio nas redes. A Unesco foi pioneira nessa agenda. Temos de fazer algo. Uma imprensa livre, plural e diversa é vital para o respeito aos direitos humanos — opina Marlova.
Sem jornalistas que garantam notícias e informações às pessoas, temo que vamos continuar a ver o desmanche das ligações cívicas, a erosão das normas democráticas e o enfraquecimento da confiança — nas instituições e de um no outro –, que é tão essencial à ordem global.
ARTHUR GREGG SULZBERGER
Presidente da The New York Times Company
Os debatedores não falaram apenas em mundo virtual. Cenas de coação física à liberdade de imprensa não faltam planeta afora, mescladas com ações de cerceamento à internet.
A censura e a repressão nas redes sociais assumem muitas formas, ressaltaram os debatedores na ONU. A República Popular da China, por exemplo, censura regularmente palavras, frases e nomes publicados em postagens que considera serem anticomunistas e antigovernamentais. Também limita o acesso a sites. Paralisações de internet e restrições de rede impostas por governos também inibem a liberdade de expressão, inclusive para membros da imprensa.
Na Venezuela, o governo usa apagões de eletricidade e da internet a fim de inibir o acesso à informação e controlar possíveis distúrbios políticos. Em Cuba, o governo restringiu o acesso do país à internet a fim de impedir que a mídia independente e os jornalistas informem sobre a repressão governamental.
Data foi proclamada há 30 anos
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi proclamado pela Assembleia Geral da ONU em 1993, seguindo uma recomendação adotada na 26ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em 1991. Isso, por sua vez, foi uma resposta a um apelo de jornalistas africanos que, em 1991, produziram a histórica Declaração de Windhoek (Namíbia), que considera a informação um bem público e exige uma internet aberta ao fluxo de informações.