Combater a fome, melhorar o acesso ao crédito e controlar os fluxos migratórios se destacam entre os temas abordados, neste sábado (25), por chefes de Estado e de governo na Cúpula Ibero-americana, em Santo Domingo, que também enfatizaram a crise climática e o impacto da guerra na Ucrânia.
Os presidentes de República Dominicana, Equador, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Honduras, Paraguai, Portugal e Uruguai, além do rei Felipe VI, da Espanha, e seu chefe de governo, Pedro Sánchez, participavam da sessão plenária, que deve se estender por todo o dia.
Um rascunho de declaração conjunta já está pronto e deve ser assinado ao fim da sessão.
"Se não nos unirmos, teremos perdido a oportunidade de obter algum benefício concreto para os nossos países", afirmou o presidente anfitrião, o dominicano Luis Ainader, enumerando os temas principais do documento final: crise alimentar, meio ambiente e equidade digital.
Ao longo dos debates, no entanto, foram abordados temas sensíveis para a região, como a migração e a estabilidade política, com comentários contundentes do presidente chileno, Gabriel Boric, contra a "ditadura familiar de (o presidente Daniel) Ortega e (da vice e primeira-dama Rosario) Murillo na Nicarágua".
"Fora da democracia não há liberdade, nem dignidade possível", alfinetou. "Vemos no mundo todo novos riscos e ameaças à democracia (...) Devemos responder com mais democracia, não com menos", assegurou.
A cadeira da Venezuela foi ocupada pelo chanceler Yván Gil, depois que a organização anunciou, na sexta-feira, a presença do presidente Nicolás Maduro.
Em Caracas, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, informou que a ausência de Maduro se deveu após o presidente testar positivo para a covid-19.
Maduro foi informado na noite de sexta-feira por seus médicos de "um resultado positivo" em um exame PCR, publicou Rodríguez em sua conta no Twitter.
"Isso motivou a suspensão de sua participação na Cúpula Ibero-americana", acrescentou a vice-presidente, afirmando que o presidente foi submetido a outros dois exames "com resultados negativos".
"Tudo indica que se tratou de um falso positivo", afirmou.
- "Fome, morte" -
A América Latina enfrenta um ano difícil, com projeções de crescimento abaixo de 2%, enquanto o custo de uma dieta saudável na região é o mais caro do mundo: 3,98 dólares (cerca de R$ 20) ao dia por pessoa, inacessível para 22,5% da população, segundo as Nações Unidas.
"O acesso a uma dieta saudável deve ser um direito e não um privilégio de alguns poucos", disse o presidente boliviano, Luis Arce, ressaltando o impacto que as mudanças climáticas têm na produção de alimentos.
Esta crise ambiental "produz fome, morte", afirmou o presidente colombiano, Gustavo Petro.
"São necessários fortes investimentos nacionais, estrangeiros, públicos, privados, em torno das energias limpas", afirmou Petro, que propôs que os países com maiores emissões de carbono paguem para financiá-los.
- "Insustentável" -
Um aspecto central do debate foi o acesso dos países pobres ao financiamento.
"Assistimos a um cenário internacional caracterizado por níveis de endividamento elevados e insustentáveis, que condicionam o crescimento dos nossos países", disse o presidente argentino, Alberto Fernández.
A Argentina, que fechou um acordo em janeiro de 2022 com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para refinanciar uma dívida de 44 bilhões de dólares (cerca de R$ 230 bilhões no câmbio atual), ordenou às empresas estatais vender ou trocar seus títulos em dólares por novos instrumentos em pesos, como medida para frear a queda das reservas internacionais, em um contexto de escassez de divisas e volatilidade cambial no setor financeiro.
Fernández qualificou de "abusivas" as taxas impostas pelo FMI e defendeu "um maior acesso a facilidades creditícias a fim de impulsionar o crescimento e o desenvolvimento ao invés da especulação".
O presidente argentino teve, mais cedo, um encontro tripartite com Pedro Sánchez e Joseph Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia. Sánchez também se reuniu com o presidente do Equador, Guillermo Lasso.
- Cúpula migratória -
O presidente chileno, Gabriel Boric, por sua vez, defendeu uma "coordenação maior" sobre a crise migratória e anunciou diálogos com a Venezuela, de onde fugiram mais de sete milhões de pessoas nos últimos anos, segundo a ONU.
"A gestão da migração constitui, talvez, um dos maiores desafios regionais" e "qualquer solução sustentável passa por sermos capazes de trabalhar em conjunto entre países de origem, de trânsito e de destino", afirmou Boric. "Urge acelerar e intensificar a coordenação entre as nossas autoridades policiais e migratórias para enfrentar redes de crime transnacional organizado".
A região enfrenta grandes fluxos de migrantes provenientes, além da Venezuela, de Cuba, Haiti e outros países da América Central, que fogem da pobreza e da violência em seus países de origem.
O presidente colombiano propôs uma cúpula sobre este tema.
- "Pacificar" o Haiti -
Muitos dos presidentes condenaram, ainda, a invasão russa da Ucrânia.
Um tema sensível, sobretudo para os dominicanos, é o Haiti, o país mais pobre das Américas, controlado por gangues violentas que assassinaram 530 pessoas e sequestraram 280 desde janeiro, segundo a ONU.
"A única forma de agir com o Haiti é pacificar o Haiti", disse o presidente dominicano. "A comunidade internacional não pode permitir que esta situação continue", opinou.
O costa-riquenho Rodrigo Chaves pediu à cúpula para "fazer um apelo forte e vigoroso às Nações Unidas para que se dê uma resposta imediata" à crise no país, que chamou de "Estado falido".
* AFP