A cena se passa em Sochi (sul da Rússia) no 100º dia da invasão da Ucrânia: o presidente da União Africana (UA) e do Senegal, Macky Sall, aperta a mão de Vladimir Putin em um gesto significativo para a posição estratégica do continente.
"Uma parte importante da humanidade está acompanhando de perto o que está acontecendo" na Ucrânia, disse Sall, referindo-se ao bloqueio das exportações de grãos e fertilizantes.
"Vim pedir que tenham consciência de que os nossos países, embora longe do cenário (da guerra), são vítimas econômicas desta crise", explicou.
Uma dezena de países africanos recebe pelo menos metade das importações de trigo da Rússia e da Ucrânia, segundo a FAO, e em vários deles já se sente o efeito combinado do atraso nos embarques de grãos e do aumento dos preços dos combustíveis.
Nomeado há quatro meses para um mandato de um ano à frente da UA, a missão diplomática de Sall faz parte de sua ambiciosa campanha no cenário internacional.
Apelou ainda à atribuição de dois lugares permanentes aos países africanos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, à entrada da UA no G20 e à reforma da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização que reúne 38 dos países mais ricos do mundo, para que sejam concedidos empréstimos de longo prazo aos países africanos.
Por enquanto, foi convidado para a próxima cúpula do G7, a ser realizada na Alemanha.
Para o analista Alioune Tine, a missão de Sall na Europa é "sem precedentes".
"Normalmente são os europeus que se envolvem nas guerras africanas. Agora são os africanos que fazem a mediação".
Durante uma recente entrevista coletiva com o chefe do governo alemão, Olaf Scholz, Sall declarou que os países da África estavam "profundamente divididos" sobre o conflito ucraniano.
E embora tenha reiterado os pedidos de cessar-fogo, relutou em condenar claramente a agressão russa.
A Rússia, por sua vez, fez avanços geopolíticos na África graças a alianças militares e contratos de armas.
Já em 2019, Putin recebeu dezenas de líderes africanos em Sochi com o objetivo de reafirmar a influência da Rússia no continente.
- "Fazer tudo ao mesmo tempo" -
A África representa "mais de um bilhão" de habitantes e "deve ter voz", considera Mbaye Babacar Diop, analista em Dakar (Senegal).
"As metas do presidente Sall são bastante ambiciosas, mas ele não pode reformar a ONU, o G20 e a OCDE em seis meses", diz Ibrahim Nyei, pesquisador que trabalha na Libéria.
O Senegal, que mantém relações estreitas com a França e os Estados Unidos, além de China, Israel, Irã e Arábia Saudita, possui uma das diplomacias mais ativas do continente.
Mas os últimos meses foram pontilhados de crises internas.
Na semana passada, um incêndio em um hospital na cidade de Tivaouane causou a morte de 11 recém-nascidos.
Os adversários de Macky Sall temem que ele não use as mudanças na Constituição aprovadas em 2016 para contornar a regra presidencial de dois mandatos e concorrer novamente em 2024.
Um medo que inflamou os protestos de março de 2021, os piores do país em anos.
Sall declarou que anunciaria sua decisão após as eleições legislativas de julho deste ano.
Ele "não deve esquecer os problemas senegaleses, nem deixar de lado os problemas africanos e mundiais: deve fazer tudo ao mesmo tempo", declarou Diop.
* AFP