No parque Fomine, no centro de Kiev, há uma longa fila para tirar fotos sob as magnólias que acabaram de florescer. Um soldado ucraniano pede à esposa e aos dois filhos que "sorriam!" sob a mancha de flores roxas. Depois de 51 dias de guerra, os habitantes de Kiev aproveitaram o fato de sexta-feira (15) ser o primeiro dia ensolarado da primavera para passear no parque ou tomar uma bebida no terraço, fazer uma pausa e ter uma vida quase normal.
Esquivando-se de carrinhos, patinetes e bicicletas, Nataliya Makrieva, 43 anos, caminha pela paisagem de braços dados com a mãe e não consegue acreditar.
— É a primeira vez que voltamos ao centro da cidade, queríamos ver como funcionava o transporte, estar um pouco com as pessoas. Ver tanta gente me faz muito bem — disse a veterinária.
Deitado na grama que combina com seu uniforme, um soldado fuma cachimbo e olha para o céu azul. Faz 21 graus e seus companheiros, dois gêmeos, subiram em uma árvore que floresceu.
— É a primeira vez que respiramos em mais de um mês em Irpin e Gostomel e viemos aqui para aproveitar o lindo dia — explica um dos gêmeos uniformizados, Dmitro Tkatchenko, 40 anos, veterano da guerra em Donbass em 2015.
Após três semanas de relativa calma, dois ataques russos atingiram dois complexos militares perto de Kiev na sexta-feira e no sábado. Há dias, o Kremlin ameaça intensificar os ataques à capital. As barreiras antitanque foram mantidas ao lado das estradas. Ainda há sacos de areia e blocos de cimento nos postos de controle, mas na maioria deles não há mais soldados de guarda.
Painéis de alerta não transmitem mais recomendações de segurança ou mensagens destinadas a invasores russos ou aos temidos "infiltrados", mas transmitem vídeos patrióticos.
O saldo de perdas materiais na cidade continua baixo. Segundo as autoridades, cem prédios foram destruídos ou atingidos por ataques russos entre 24 de fevereiro e 22 de março, data do último ataque aéreo dentro da cidade.
— A guerra tem muitas dimensões e não se resume aos combates. Kiev, sem dúvida, ainda está em estado de guerra — explicou Alona Bogatshova, 34, que se permitiu um primeiro passeio com seus amigos a um terraço para tomar um drinque.
— Mas, por outro lado, há tanta vida e liberdade. É uma situação inédita, que não tem nome, que ainda não vivemos — resume a jovem, que se apressa em terminar seu copo antes do prazo final.
Em Kiev, a venda de álcool está proibida após 16h, e o toque de recolher está em vigor das 21h às 6h. Entre as coisas ainda permitidas está comprar comida em casa, ir ao cabeleireiro, pegar o metrô, alugar uma bicicleta ou uma scooter urbana. Escolas, universidades, a maioria dos restaurantes e centros culturais permanecem fechados.
O prefeito da cidade, Vitali Klitschko, pediu que as pessoas que fugiram da cidade (estimadamente metade de seus 2,8 milhões de habitantes) não retornem. De acordo com a mídia local, todos os dias cerca de 50 mil pessoas retornam à capital ucraniana.