Longe dos combates na Ucrânia, existe uma zona de guerra em que americanos e russos já se enfrentam de maneira não declarada: o mercado mundial de produtos de defesa. Uma das mais recentes vítimas desse confronto pode ser uma aeronave essencial para a defesa do Brasil na Amazônia, o helicóptero de ataque Mi-35M, operado pela Força Aérea Brasileira (FAB), mas fabricado na Rússia.
Em fevereiro, a FAB oficializou a desativação dos Mi-35M da FAB, num processo que deve estar concluído em 31 de dezembro - ou seja, nessa data, nem um único dos 12 helicópteros hoje em serviço estará mais ativo. O documento da Aeronáutica, porém, não aponta nenhuma razão para a "aposentadoria" dos helicópteros, adquiridos novos de fábrica, com pouco mais de dez anos de uso.
Em serviço na Amazônia, os helicópteros russos se revelaram úteis e eficazes, inclusive no combate a voos ilícitos, muitos a serviço do narcotráfico. Em 2018, o tenente-coronel aviador Rômulo Amaral, comandante da unidade que opera o Mi-35M, em entrevista à revista do fabricante russo, destacou a confiabilidade dos Mi-35M em condições climáticas difíceis e áreas selvagens.
— Podem pousar em qualquer superfície dura, em áreas remotas — disse Amaral, na época.
Além disso, o Mi-35M é o único helicóptero de combate no mundo capaz não só de atuar como aeronave de ataque, mas também para assaltos de tropas e comandos, podendo levar até oito soldados armados, retirar feridos e transportar técnicos para locais remotos.
Sanções
Não existe nenhum substituto a caminho e a FAB deixará de ter uma aeronave com as suas capacidades. Na Aeronáutica, a explicação é a falta de dinheiro para operar os helicópteros. Especialistas e técnicos envolvidos com o programa do Mi-35M, ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, apontam uma outra razão: as sanções dos EUA à Rússia.
Entre as empresas incluídas na lista de sanções americanas, estão a Russian Helicopters e a Rostvertol, que produzem as aeronaves. Hoje, qualquer instituição financeira que fizer negócio com as empresas russas pode sofrer punições.
Mas os Mi-35M são apenas parte do "dano colateral" da disputa entre russos e americanos. Nos últimos cinco anos, os EUA têm atuado diretamente na briga por contratos de Defesa com a Rússia.
— As sanções se tornaram um instrumento de concorrência desleal e estão servindo para nos expulsar de certos mercados — disse Viktor Kladov, diretor da estatal russa Rostec, que reúne empresas que atuam no setor no país.
Segundo Kladov, contratos já firmados com outros países foram cancelados por pressão dos EUA. As ameaças americanas, no entanto, podem também ser um tiro no pé e criar situações incômodas com aliados como a Índia, vista como peça-chave para conter a expansão chinesa na Ásia e, ao mesmo tempo, parceira tradicional da Rússia em sistemas de Defesa.
Desenvolvimento
Kladov diz que as sanções não afetam apenas a Rússia, uma vez que diversas empresas ocidentais lucram em acordos com os russos.
— As sanções sempre têm efeitos negativos em ambos os lados. É verdade que estamos perdendo oportunidades. Mas tenho certeza que nossos parceiros americanos e europeus também não estão satisfeitos com as restrições — afirmou Kladov.
Um resultado disso foi a substituição, na indústria militar russa, de componentes ocidentais pela produção local. Em janeiro, a OAK (Corporação Aeronáutica Unificada), holding que reúne os fabricantes aeronáuticos russos, entregou à aviação naval os primeiros caças multifuncionais Sukhoi Su-30SM2. Segundo o especialista búlgaro Alexander Mladenov, a principal vantagem do Su-30SM2 é que os componentes eletrônicos da versão anterior, que eram fornecidos pelos franceses, foram substituídos por similares russos.