O tribunal penal do Vaticano retomou, nesta terça-feira (5), o julgamento contra o cardeal italiano Angelo Becciu, acusado de desvio de fundos da Secretaria de Estado, um caso histórico por envolver um membro do topo da hierarquia da Igreja católica.
O processo aconteceu em uma sala dos Museus Vaticanos, equipada para a ocasião. Esse tribunal tem a tarefa de determinar se a Santa Sé foi vítima de fraude por parte de um grupo de empresários inescrupulosos ou se se tratou, na verdade, de um sistema de corrupção interna envolvendo importantes líderes da Igreja.
Substituto da Secretaria de Estado entre 2011 e 2018, o cardeal Becciu esteve presente. O religioso, de 73 anos, destituído de seu título de cardeal, permaneceu sentado em seu banco, já que não foi chamado para depor.
Durante a audiência desta terça-feira, foram analisadas as questões do procedimento, com duas horas de duração. A audiência vai continuar na quarta-feira (6).
A maior parte da sessão foi dedicada a um debate caloroso entre o promotor e os advogados defensores de Becciu, que lamentaram não terem acesso aos elementos fundamentais do caso.
Outras nove pessoas serão julgadas, entre empresários e funcionários da Cúria Romana.
Se forem considerados culpados, os réus poderão enfrentar vários anos de prisão por fraude, malversação de recursos, extorsão, lavagem de dinheiro e abuso de poder, em um escândalo que inclui cumplicidade com espionagem, paraísos fiscais e que gerou um rombo de milhões de euros nas contas do Vaticano.
Entre os 10 réus, metade estava a serviço da Cúria Romana e participou da polêmica compra de um luxuoso edifício em Londres, ao custo de cerca de US$ 400 milhões.
Durante a primeira audiência, realizada em 27 de julho passado, o juiz italiano antimáfia Giuseppe Pignatone, presidente do tribunal, concordou com o pedido da defesa de adiar a sessão para esta terça-feira.
Na esteira do escândalo, Becciu foi destituído de suas funções, perdendo seus privilégios como cardeal, em decisão tomada pelo papa Francisco em setembro de 2020.
Para a compra do prédio em Londres, foram usados até mesmo recursos destinados às obras de caridade pessoais do pontífice, como reconheceu a Santa Sé pouco antes da abertura do julgamento.
A aquisição também foi feita por um preço superior ao seu valor real, por meio de pacotes financeiros altamente especulativos. A operação foi mediada por dois empresários italianos residentes em Londres.
A investigação teve início com base nas denúncias apresentadas em 2019 pelo Instituto para as Obras de Religião (IOR) e pelo Escritório do Auditor Geral.
O caso representa um desafio para o papa Francisco, ao revelar o descontrole nas finanças vaticanas e expor os privilégios ocultos de várias entidades vaticanas. Este quadro levou o sumo pontífice a iniciar uma reforma interna.
Crítico ferrenho da corrupção, o pontífice denuncia incessantemente a especulação financeira mundial desde sua eleição, há oito anos.