O governo de Cuba reforçou o policiamento nas ruas do país enquanto o presidente Miguel Díaz-Canel acusa os cubano-americanos de usar as redes sociais para provocar uma rara manifestação contra preços altos e escassez de alimentos.
As manifestações em várias cidades e vilas foram algumas das maiores demonstrações de sentimento antigoverno visto desde 1994, quando milhares de cubanos saíram às ruas de Havana para protestar contra as políticas públicas. O episódio ficou conhecido como "maleconazo", porque centenas de cubanos invadiram o Malecón, calçadão à beira-mar em Havana, gritando "liberdade".
Cuba amanheceu nesta terça-feira (13) sem internet móvel e com uma forte presença policial nas ruas de Havana, um dia após milhares de cubanos saírem às ruas em protesto contra o governo e a crise econômica e sanitária que atravessam.
Uma jornalista da agência de notícias espanhola EFE disse que havia uma "calma tensa" nas ruas. Sem internet na ilha, a jornalista diz ser difícil "saber ao certo" o que se passa em todo o país.
Na segunda-feira (12), dezenas de mulheres reunidas em frente às esquadras da polícia tentavam obter informações sobre o paradeiro de maridos, filhos e parentes presos ou desaparecidos durante as manifestações.
Até o momento, as autoridades não divulgaram ainda um número oficial de detenções, mas existe uma lista provisória elaborada por ativistas locais que conta com 65 nomes só em Havana.
Entre os detidos há personalidades conhecidas, como o artista Luis Manuel Otero Alcántara, o dissidente moderado Manuel Cuesta Morúa e o dramaturgo Yunior García Aguilera.
Os protestos em Cuba são resultado da insatisfação popular com um surto de casos de coronavírus e a sua pior crise econômica em décadas, como consequência das sanções dos EUA impostas pelo governo do presidente Donald Trump.
Muitos jovens participaram das manifestações de domingo (11), em Havana. Protestos também ocorreram em outras partes da ilha, inclusive na pequena cidade de San Antonio de los Baños, onde as pessoas se opuseram aos cortes de energia e foram visitadas pelo presidente Miguel Díaz-Canel. Ele entrou em algumas casas, onde respondeu a perguntas dos moradores.
As autoridades pareciam determinadas a pôr fim às manifestações. Dezenas de manifestantes foram detidos, incluindo um importante dissidente cubano que foi preso tentando participar de uma passeata na cidade de Santiago.
— Vimos como a campanha contra Cuba estava crescendo nas redes sociais nas últimas semanas — disse Díaz-Canel na segunda-feira (12) em uma aparição na televisão nacional na qual todo o seu gabinete estava presente.
— É assim que se faz: tente criar inconformidade e insatisfação manipulando emoções e sentimentos.
Em um comunicado na segunda-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que os manifestantes cubanos estavam reivindicando seus direitos básicos:
— Apoiamos o povo cubano e seu clamor por liberdade e alívio das trágicas garras da pandemia e das décadas de repressão e sofrimento econômico a que foi submetido pelo regime autoritário de Cuba.
Os EUA exortam o governo cubano a servir ao seu povo "em vez de enriquecer", acrescentou Biden.
O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, enfatizou na segunda-feira a posição da organização "sobre a necessidade da liberdade de expressão e de reunião pacífica ser totalmente respeitada, e esperamos que seja esse o caso".
As manifestações foram extremamente incomuns em uma ilha onde pouca dissensão contra o governo é tolerada. A última grande manifestação pública de descontentamento, por causa das dificuldades econômicas, aconteceu em 5 de agosto de 1994, quando milhares de cubanos saíram às ruas de Havana para protestar contra as políticas do governo, no primeiro levante contra o regime de Fidel Castro, que assumiu o poder em 1959.
Cuba enfrentava a depressão econômica após o fim da União Soviética. O combustível e a comida eram escassos na ilha, que enfrentava períodos de falta de energia, impossibilitando o uso de ventiladores em meio a um calor intenso, e de bombas de água.
No ano passado, houve pequenas manifestações de artistas e outros grupos, mas nada tão grande ou generalizado quanto o que estourou no fim de semana.
— Estamos fartos das filas, das faltas. É por isso que estou aqui — disse um manifestante de meia-idade à Associated Press, que se se recusou a se identificar por medo de ser preso.
O fotojornalista da AP Ramón Espinosa foi espancado por um grupo de policiais uniformizados e à paisana; ele quebrou o nariz e sofreu um ferimento no olho.
Na segunda-feira, as autoridades cubanas estavam bloqueando o Facebook, WhatsApp, Instagram e Telegram, disse Alp Toker, diretor da Netblocks, uma empresa de monitoramento de internet com sede em Londres.
— Esta parece ser uma resposta aos protestos alimentados pelas redes sociais — disse ele.
O Twitter não parece estar bloqueado, embora Toker tenha notado que Cuba tem a capacidade de cortá-lo se quiser.