Julia, de 21 anos, cujo riso nervoso não esconde a angústia, e sua filha, nascida há quatro dias no barco que lhes permitiu fugirem do inferno de Palma, dormem na praia, como tantos outros deslocados.
Dois meses depois do ataque de grupos extremistas islâmicos contra Palma, no norte de Moçambique, centenas de pessoas continuam a chegar de vários pontos da mortificada província de Cabo Delgado.
No sábado, um barco pesqueiro com 49 pessoas atracou na capital, Pemba. A ameaça extremista é onipresente, difusa, preocupante.
Um homem desembarca. Seus pertences em uma trouxa repousam sobre a cabeça e, na mão, ele carrega dois tambores de plástico. As mulheres, com lenços coloridos que deixam o rosto descoberto, carregam crianças, uma garrafa térmica e alguns pertences.
A polícia controla os recém-chegados. Inspeciona a bagagem para verificar se não estão armados e se não há terroristas infiltrados.
Em outra embarcação de madeira, no meio das águas agitadas do Oceano Índico, Julia Francisco deu à luz, com a ajuda de alguns companheiros de infortúnio.
Depois de três dias na praia, eles a levaram, assim como os demais, para um estádio coberto a cerca de dez quilômetros de distância, que funciona como campo de trânsito.
Ela estava grávida de 7 meses quando os Shababs, como são chamados os extremistas que aterrorizam a região desde o final de 2017, lançaram um ataque surpresa em Palma, em 24 de março. A ofensiva aconteceu a apenas 10 km do complexo de gás do grupo francês Total.
Com os primeiros disparos, "todos começaram a correr", contou ela à AFP em suaíli, uma das línguas faladas nesta região vizinha da Tanzânia. "Eu sabia que se não corresse também, eles me alcançariam".
- Sem família -
Caminhou, correu e se escondeu na floresta com seu pai, sua madrasta e seu filho de quatro anos. Passou semanas no complexo energético, junto com milhares de pessoas que esperavam ser resgatadas.
Subir em um barco custa entre 40 e 65 euros, uma pequena fortuna.
Os deslocados contam que, em Pemba, ainda há "muita" gente para socorrer. Segundo as ONGs, são cerca de 20 mil.
Com a calça rasgada, uma camiseta e uma jaqueta preta, Sumail Mussa, de 50 anos, espera na praia. Com o telefone na mão, quer ligar para parentes para ver se eles podem acomodá-lo, mais sua esposa e seu filho. Está sem crédito para telefonar.
"A vida era terrível lá, por isso fugimos", diz laconicamente. Não consegue falar.
No estádio, onde as janelas estão cobertas por mosquiteiros, há cerca de 300 pessoas. Julia anda devagar, porque ainda não se recuperou do parto. Vai buscar água, tenta lavar a roupa na grama ao redor do complexo esportivo.
"Sinto-me mal. Sofro porque não tenho família para me ajudar", confessa com voz tímida.
O pai e a madrasta foram hospitalizados quando chegaram. Seu marido trabalha em Maputo, a milhares de quilômetros de distância. E ela não tem ideia de onde sua mãe, suas irmãs e seu irmão estão. "Nem sei se estão vivos", murmura, olhando para o telefone.
Desde o final de março, cerca de 57 mil pessoas fugiram da área de Palma, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Em mais de três anos, mais de 2,8 mil pessoas morreram na violência, e 700 mil civis fugiram.
O governo afirma que assumiu o controle de Palma rapidamente, mas a imprensa não teve acesso à área, exceto por algumas visitas relâmpago junto com o Exército no final de março.
A ineficácia das autoridades exaspera muitos refugiados.
"No início", os terroristas "só tinham facões", mas as autoridades "não fizeram nada. Agora têm armas sofisticadas", lamenta Daniel Chilongo, um agricultor de 55 anos que acaba de desembarcar na praia.
* AFP