A indignação deu lugar ao "esquecimento e à impunidade", denunciam familiares e advogados no aniversáiro de dez anos do massacre de 72 migrantes no México, em sua maioria latino-americanos, que tentavam chegar nos Estados Unidos.
Há 15 presos, mas nenhum condenado por este massacre executado por narcotraficantes entre 22 e 23 de agosto de 2010 no município de San Fernando (estado Tamaulipas, nordeste).
"Realmente é ultrajante que nem um único indivíduo tenha sido condenado, porque já são dez anos sem justiça", comentou por telefone de Honduras Johni Hernández, irmão de Eva Noemí.
"O que pode resumir o status do caso é a impunidade, desdem e falta de vontade política", disse à AFP a advogada Ana Lorena Delgadillo, diretora da Fundação para a Justiça e o Estado de Direito, que representa 11 das famílias dos assassinados.
- Irregularidades -
Segundo a versão oficial, o crime ocorreu a menos de 150 km da fronteira com Estados Unidos, destino final dos 58 homens e 14 mulheres vindos da Guatemala, Honduras, El Salvador, Equador, Brasil e Índia.
Nove corpos permanecem no Instituto de Ciências Forenses da Cidade do México ainda sem identificação.
"Não investigaram como deveriam, há muitas pessoas que estão por trás de tudo isso e andam soltas como ninguém", condena Hernández.
De acordo com as autoridades mexicanas, os migrantes foram sequestrados pelo cartel de Los Zetas e levados a um rancho onde foram obrigados a trabalhar para o grupo, mas ao se negarem foram mortos.
Pelo menos duas pessoas sobreviveram, entre elas um equatoriano que foi ferido na mandíbula por um disparo e fingiu estar morto para que não viesse a morrer de fato.
- Caminho de obstáculos -
Alguns parentes suspeitam que membros de organizações de segurança ligadas aos criminosos possam ter participado do massacre.
Na verdade, o cartel Los Zetas - também acusado de tráfico de pessoas entre muitos crimes - era formado inicialmente por ex-militares.
"Nem as famílias nem nós acreditamos que foi apenas Los Zetas", diz Delgadillo, para quem uma década depois há "mais perguntas do que respostas".
"Por que não foi investigada a provável participação ou conluio de agentes do Estado com o crime organizado? Por que não foi investigado o tráfico e tráfico de pessoas? Por que não foi investigada a linha financeira do crime organizado?", indaga a advogada.
Delgadillo representa as onze famílias há nove anos, mas apenas três anos atrás ele teve acesso aos arquivos.
"Tem sido um caminho para as vítimas marcado por obstáculos para que não saibam o que aconteceu", denuncia.
Cinco famílias guatemaltecas e uma brasileira receberam os restos mortais de seus entes queridos e expressaram dúvidas sobre sua identidade.
"Há desprezo das autoridades por essas famílias pobres e excluídas", enfatiza Delgadillo.
Quando o Ministério Público Federal transferiu vários corpos para a Cidade do México para identificação, o motorista do trailer - que não tinha ar condicionado - se envolveu em um acidente e os corpos sofreram ainda mais deterioração, afirmam os advogados.
- "Ninguém é ilegal no mundo" -
Na Cidade do México, cerca de cinquenta pessoas colocaram neste sábado um monumento no icônico Paseo de la Reforma para lembrar as vítimas do massacre.
O monumento, feito de metal, tem o número 72 com as lendas "ninguém é ilegal no mundo" e "migrar é um direito humano".
"Este monumento é uma lembrança para quem passa por aqui, quem vê, que não pode haver impunidade em nenhum caso para os migrantes que estão viajando por nosso território", disse Ana Lorena Delgadillo durante o evento, no qual uma missa também foi realizada em memória das vítimas.
Ana Enamorado, uma mulher hondurenha que procura seu filho desaparecido no México também em 2010, disse que lembrar as 72 vítimas a enche de dor e indignação.
"Para mim (a data) significa uma violência tão forte, o ódio aos migrantes, significa dor, terror, indignação, tudo", afirmou.
* AFP