Os separatistas do sul do Iêmen proclamaram, neste domingo (26), sua autonomia após o fracasso de um acordo de paz com o governo, agravando o conflito que há anos se arrasta no país, palco de uma grave crise humanitária.
O principal confronto armado no Iêmen é entre os rebeldes huthis, apoiados pelo Irã e que controlam o norte do país, incluindo a capital Sanaa, e as forças do governo, apoiadas por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita.
Mas no campo legalista também há divisões profundas, entre o governo no exílio em Áden (sul) e um movimento separatista, o Conselho de Transição do Sul (STC).
Se um acordo foi alcançado no outono para congelar essa disputa, o STC acusou o governo neste domingo de não cumprir suas obrigações e de "conspirar" contra a causa do Sul.
Declarou, portanto, a "autonomia" da região a partir de 00h00.
"Um comitê de autonomia começará seu trabalho com base em uma lista de tarefas atribuídas pela presidência do Conselho", acrescentou o STC em comunicado.
- "Catastrófico" -
Essa proclamação foi imediatamente condenada pelo governo: os separatistas, mobilizados há tempos pela independência do Sul, serão responsáveis pelo resultado "catastrófico e perigoso" dessa etapa, considerou.
A ruptura entre esses ex-aliados ocorre quando a coalizão liderada por Riade estendeu um cessar-fogo unilateral contra os huthis, a fim de conter a pandemia de coronavírus.
A oferta, no entanto, foi rejeitada pelos huthis, e os combates continuam neste país devastado pela guerra.
O acordo entre o governo iemenita e o STC foi assinado em 5 de novembro em Riade depois que os separatistas assumiram o controle de Áden. Previa, de acordo com fontes políticas iemenitas e sauditas, integrar membros do STC ao governo, que retornaria a Áden.
No entanto, este pacto foi considerado sem validade, devido à não aplicação das principais medidas, incluindo a formação de um governo com o STC.
Logo após o anúncio do término do acordo, os moradores de Áden relataram destacamentos massivos de forças do STC na cidade.
Uma fonte separatista disse à AFP que postos de controle foram montados "em todas as instalações do governo, incluindo banco central e porto", enquanto veículos militares cruzam a cidade com bandeiras do movimento.
Sinal de que o cenário político no sul é complexo, algumas cidades declararam não reconhecer a autonomia.
O ministro das Relações Exteriores do Iêmen, Mohammed al-Hadhrami, disse que a decisão do STC era "uma extensão da rebelião".
A coalizão militar liderada por Riade ainda não comentou o anúncio dos separatistas.
- Calamidades -
Dezenas de milhares de civis foram mortos nos últimos cinco anos na guerra entre as forças pró-governo e os huthis.
No início deste mês, o Iêmen também relatou seu primeiro caso de coronavírus, em Hadramaut, uma província controlada pelo governo no sul, aumentando o medo de disseminação.
E uma calamidade esconde outra: pelo menos 21 pessoas morreram nesta semana em enchentes, quando as ruas de Áden foram inundadas pelas chuvas.
O confronto pelo controle do Sul destaca as divisões internas da coalizão que intervêm em apoio ao governo: a Arábia Saudita apoia o governo de Abd Rabbo Mansour Hadi, enquanto os Emirados Árabes Unidos formou e financiou o STC.
Os Emirados, como o STC, têm uma política de tolerância zero em relação à Irmandade Muçulmana e ao partido iemenita Al-Islah, influenciado por essa irmandade, que tem representantes no governo.
Em agosto de 2019, confrontos mortais aconteceram em Áden. As forças do STC cercaram o palácio presidencial e apreenderam três quartéis. O governo acusou os Emirados de serem "responsáveis" por um "golpe de Estado".
Os combates deixaram quarenta mortos em quatro dias, segundo a ONU.
Depois, Riade e Abu Dhabi trabalharam juntos para apaziguar essa frente interna, até o acordo.
Em sua declaração neste domingo, o STC lamentou a contínua deterioração dos serviços públicos, acusando o governo de usar seus poderes como "uma arma para fazer os sulistas se ajoelharem".
* AFP