Por André Luís Woloszyn
Analista de assuntos estratégicos, consultor internacional em conflitos de média e baixa intensidade
Estados Unidos e Irã possuem um histórico de tensões e crises desde a Revolução Islâmica de 1979, quando 52 reféns foram presos na embaixada norte-americana em Teerã. Em 1988, os Estados Unidos derrubaram, por engano, um avião comercial da empresa Iran Air, no Golfo Pérsico, resultando na morte de 290 pessoas.
A partir de então, o líder religioso iraniano da época, Aiatolá Khomeini, declarou guerra total ao “Grande Satã”, dando início a uma guerra psicológica que vem sendo travada entre ambos os países, inclusive com um ataque cibernético norte-americano com o vírus Stuxnet às centrífugas iranianas de enriquecimento de urânio, no ano de 2010, paralisando o programa de desenvolvimento de armas nucleares daquele país.
Em 2019, uma escalada de ataques bilaterais acarretaria na atual crise. Em 3 de janeiro de 2020, as tensões se aprofundaram com uma nova operação militar dos Estados Unidos realizada com o uso de drone tendo como alvo o general Qassem Soleimani, considerada a principal liderança militar iraniana, quando realizava operações encobertas em Bagdá, no Iraque, possivelmente apoiando tática e estrategicamente o grupo e as milícias nos últimos episódios. O objetivo do Irã, amparado pelo Iraque, é a retirada incondicional, do Iraque e da Síria, das tropas de coalizão lideradas pelos Estados Unidos – embora tenham combatido juntos, em anos anteriores, um inimigo comum como o grupo terrorista Daesh, conhecido como Estado Islâmico.
Após a morte de Soleimani e face às já tradicionais ameaças de retaliação – sem falar no ataque do Irã a duas bases que abrigam tropas dos Estados Unidos no Iraque, na terça-feira (8 de janeiro), como vingança pela morte do líder militar iraniano –, surgiram diferentes correntes que pretendem visualizar um cenário futuro de tensões, crises e conflitos resultantes desse episódio. Uma dessas, em especial, a que defende a perspectiva da hipótese da deflagração de uma Terceira Guerra Mundial, iniciada na região do Oriente Médio, tendo Estados Unidos versus Irã como protagonistas, apresenta argumentos insustentáveis, beirando a teoria da conspiração.
Provavelmente, levaram em consideração, comparativamente, um evento histórico como o assassinato do arquiduque austro-húngaro, Francisco Fernando, em um atentado em Sarajevo no ano de 1914, estopim para a eclosão da Primeira Guerra, conhecida como a Grande Guerra, ou, ainda, textos bíblicos do Livro do Apocalipse que prenunciam um conflito final entre o bem e o mal, que ocorreria naquela região.
Embora as incertezas, as probabilidades de uma guerra tradicional entre ambos os países serem baixas, para não dizer nenhuma, uma vez que a guerra não interessa a nenhum dos lados, economicamente.
No entanto, são apenas teorias. Na realidade, embora as incertezas, as probabilidades de uma guerra tradicional entre ambos os países serem baixas, para não dizer nenhuma, uma vez que a guerra não interessa a nenhum dos lados, economicamente. O Irã ou qualquer outro país, a exemplo do Iraque, tem consciência de que não possui capacidade militar e tecnológica suficiente para travar um conflito regular com uma superpotência que, além disso, possui uma forte coalizão militar como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E os Estados Unidos sabem disso.
Vale lembrar que o ditador Saddam Hussein proferiu ameaças similares quando “a primeira bota de um militar da coalizão pisasse em território iraquiano” durante a Guerra do Golfo em 1990, o que se comprovou, posteriormente, ser apenas bravata. O outrora grande ditador foi preso por tropas da coalização e escondido em um bueiro, nos arredores de Bagdá, quase irreconhecível.
Apesar disso, tais circunstâncias não impedem o Irã de retaliações pontuais e localizadas, por meio das milícias xiitas revolucionárias e do próprio grupo Kataib Hezbollah, em alvos norte-americanos na região. Outra hipótese, também plausível, são ataques cibernéticos considerando que o Irã figura entre um grupo seleto de países com capacidade tecnológica para realizar tais ações. Embora essas tenham alta probabilidade de ocorrerem e inobstante possam ter forte repercussão internacional, estão longe de se transformar em uma guerra mundial como alguns acreditam.
Por obviedade, não se pode negar a importância de Soleimani como articulador político, estratégico e militar. Contudo, ele era apenas uma das muitas engrenagens da política dos aiatolás, portanto, grande candidato a mártir. Em um conflito disputado por hegemonia política e econômica, sua morte era um efeito colateral previsível, tanto que havia sofrido no mínimo três tentativas de assassinato.
Por outro lado, nesse cenário, a questão da reeleição de Donald Trump nas eleições de novembro pode ter tido um fator condicionante nessa operação militar. Em seu currículo, faltava a eliminação de um inimigo direto à segurança estadunidense, a exemplo de seu antecessor, Barak Obama, com a morte do líder da rede terrorista Al-Qaeda, Osama Bin Laden, em 2011, responsável pelos atentados do 11 de setembro, que lhe garantiu uma vitória esmagadora contra o rival Mitt Romney nas eleições de novembro de 2012.