O presidente do Peru, Martín Vizcarra, anunciou nesta segunda-feira (30) que dissolveu constitucionalmente o Congresso, que reagiu afastando o mandatário, em meio à polêmica sobre a nomeação de novos membros do Tribunal Constitucional. Controlado pela oposição, o Congresso aprovou a suspensão "temporária" de Vízcarra por "incapacidade moral" e nomeou para seu lugar a vice-presidente, Mercedes Aráoz.
— Decidi dissolver o Congresso e convocar eleições parlamentares — declarou Vizcarra em um pronunciamento pela televisão, em meio ao agravamento do conflito entre os poderes.
A medida deixa o Peru em um impasse institucional, com dois presidentes, Vizcarra e Aráoz, ambos eleitos na chapa de Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou em 2018. Aráoz, uma economista de 58 anos que foi ministra no segundo governo de Alan García (2006-2011), prestou juramento imediatamente como presidente diante do chefe do Legislativo, Pedro Olaechea.
— É meu dever como cidadã, mulher, mãe e vice-presidente assumir este mandato. Teria sido mais fácil renunciar, mas não fujo das minhas responsabilidades, por mais difíceis que sejam as circunstâncias — disse Aráoz, que qualificou de "inconstitucional" a dissolução do Congresso.
Vizcarra convocou eleições parlamentares para o dia 26 de janeiro, enquanto Olaechea informou que o Congresso votará na sexta-feira (4) a destituição definitiva do presidente.
Em meio ao impasse, o chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas e os comandantes do Exército, Marinha, Força Aérea e Polícia Nacional reafirmaram seu pleno apoio à ordem constitucional e ao presidente Martin Vizcarra como chefe supremo. A informação foi publicada no Twitter da presidência junto a uma foto da reunião dos comandantes militares com Vizcarra no Palácio do Governo.
Ultimato ao Congresso
O presidente lançou um ultimato ao Congresso no domingo (29), anunciando que o dissolveria caso lhe negasse um voto de confiança para reformar o método de nomeação de magistrados, buscando assim impedir que o tribunal superior seja tomado pela oposição. Mas o Congresso, controlado pela oposição fujimorista, decidiu nesta segunda-feira ignorar o pedido do presidente e iniciar de imediato a nomeação.
— Está claro que a obstrução e a blindagem (do Congresso) não cessam e não haverá acordo possível — disse o presidente, enquanto centenas de manifestantes reunidos do lado de fora do parlamento comemoravam sua decisão.
Uma dissolução do Congresso no Peru não ocorria desde 5 de abril de 1992, quando o então presidente, Alberto Fujimori, deu um "autogolpe" e assumiu plenos poderes com o apoio das forças armadas. Desta vez, no entanto, Vizcarra tem o amparo da Constituição para dar esse passo.
— Diante da negação factual de confiança, decidi dissolver o Congresso e convocar eleições de congressistas da República — acrescentou, horas após os líderes parlamentares se recusarem a suspender a nomeação questionada de novos juízes do Tribunal Constitucional.
Durante uma sessão marcada por muita confusão, o Congresso elegeu um dos magistrados em meio a protestos que obrigaram o adiamento da escolha dos outros cinco nomes. Um primo do presidente do Congresso, o advogado Gonzalo Ortiz de Zevallos, foi o primeiro magistrado nomeado em uma eleição questionada na qual recebeu 87 votos, o mínimo necessário.
A votação foi realizada apesar de seis dos nove candidatos ao Tribunal Constitucional serem denunciados na justiça. Além do governo, juristas independentes questionam o atual mecanismo de seleção devido à sua velocidade e falta de transparência.
O presidente ganhou grande popularidade ao liderar uma cruzada contra a corrupção em um país onde os quatro presidentes anteriores foram investigados por recebimento de benefícios da construtora brasileira Odebrecht.
A tensão vinha crescendo desde a sexta-feira (27) e a polícia decretou "alerta máximo", enquanto os apoiadores de Vizcarra se reuniam ao anoitecer nas ruas. Pedro Olaechea havia decidido no sábado que a eleição dos magistrados era "impraticável". Vizcarra pediu o voto de confiança depois que o Congresso arquivou, na quinta-feira (26), seu projeto para antecipar as eleições para abril de 2020.