Três russos e um ucraniano serão julgados por assassinato na Holanda pela ação que derrubou um avião de passageiros em 2014 no leste da Ucrânia, um ataque com míssil russo - anunciou, nesta quarta-feira (19), a equipe que investiga o caso.
Os acusados são os russos Serguei Dubinski, Igor Guirkin e Oleg Pulatov, além do ucraniano Leonid Jarchenko. O julgamento terá início em 9 de março de 2020, no tribunal (de "alta segurança") de Schiphol, na Holanda.
É provável que os suspeitos sejam julgados à revelia, já que Rússia e Ucrânia não extraditam seus cidadãos processados no exterior. Ainda assim, o anúncio do julgamento parece ser uma mensagem clara para a Rússia, que sempre negou qualquer participação.
Apelidado de "Strelkov" (atirador), Igor Guirkin é apontado pelos investigadores como um dos principais comandantes separatistas do início do conflito com o Exército ucraniano há cinco anos e, provavelmente, seu representante de mais visibilidade na época.
Hoje, Guirkin negou qualquer envolvimento com os separatistas ucranianos pró-russos.
"Tudo o que posso dizer é que o Boeing não foi derrubado pelos rebeldes", afirmou Guirkin, acrescentando que não pretende prestar depoimento.
Foram emitidos mandados de prisão internacional contra os quatro suspeitos, anunciou o chefe da polícia holandesa, Wilbert Paulissen.
"Hoje entregamos as ordens de prisão internacionais para os primeiros suspeitos. Também estarão nas listas nacionais e internacionais de pessoas procuradas. Por isto, anunciamos os nomes completos e publicamos suas fotos", afirmou Paulissen, em entrevista coletiva.
"Os quatro suspeitos são levados a julgamento, em primeiro lugar, porque provocaram o acidente com o voo, que teve como consequência a morte de todos os passageiros do avião. Em segundo lugar, pelo assassinato das 298 pessoas a bordo", explicou o procurador holandês Fred Westerbeke.
"Não emitiremos um pedido de extradição, porque tanto a constituição russa quanto a ucraniana proíbem a extradição de seus cidadãos, mas pedimos à Rússia que coopera mais uma vez. Muitas das nossas perguntas continuam sem resposta", acrescentou Westerbeke.
"A Rússia não teve possibilidade de participar da investigação, mesmo após ter mostrado iniciativa nos primeiros dias depois dessa tragédia", destacou o porta-voz do presidente russo, Vladimir Putin, Dmitry Peskov.
Mais cedo, em nota divulgada hoje pelo Ministério das Relações Exteriores, a Rússia lamentou as acusações da equipe investigadora, considerando-as "totalmente infundadas".
"Mais uma vez, são lançadas acusações totalmente infundadas (...) para desacreditar a Federação Russa diante da comunidade internacional", afirma a pasta no comunicado.
A Ucrânia pediu à Rússia, por sua vez, que reconheça sua "responsabilidade" no episódio.
"Pedimos à Federação Russa que assuma sua responsabilidade na entrega de armas" aos rebeldes pró-russos em território ucraniano, declarou o governo ucraniano, em nota oficial, referindo-se aos armamentos que teriam sido usados para derrubar a aeronave.
Já o secretário americano de Estado, Mike Pompeo, apelou à Rússia para que "garanta que todos os indivíduos denunciados" atualmente no território russo "sejam levados à Justiça".
O procurador Fred Westerbeke explicou que os "quatro são acusados de transportar o sistema (de mísseis antiaéreos) BUK para o leste da Ucrânia".
Os investigadores afirmam que este sistema foi utilizado para lançar o míssil que, em 17 de julho de 2014, derrubou um Boeing da Malaysia Airlines quando sobrevoava o leste da Ucrânia. O território é palco de um conflito armado entre separatistas pró-Rússia e forças ucranianas.
Os 283 passageiros do voo MH17, incluindo 196 holandeses, assim como os 15 membros da tripulação, morreram na tragédia.
- Holanda e Austrália acusam Rússia -
Silene Fredriksz, que perdeu o filho e a nora na queda do voo MH17, declarou estar satisfeita com o anúncio do julgamento.
"É um início", disse ela.
Ao ser questionada sobre quem era o responsável, ela respondeu com o nome do presidente russo, Vladimir Putin, "porque ele tornou possível, ele é o principal responsável".
Liderada pela Holanda e com representantes de Austrália, Bélgica, Malásia, Holanda e Ucrânia, a equipe internacional de investigação conjunta (Joint Investigation Team, JIT) anunciou em maio de 2018 que o míssil que derrubou o avião era procedente da 53ª brigada antiaérea russa. A base desta brigada fica em Kursk, no oeste da Rússia.
Holanda e Austrália, país que perdeu 38 cidadãos na tragédia, acusaram a Rússia diretamente, após as revelações da JIT. Pela primeira vez, a responsabilidade do ato que derrubou o avião foi imputada diretamente a Moscou, que nega qualquer envolvimento e aponta para a Ucrânia.
A tragédia é uma questão especialmente sensível na Holanda, onde o primeiro-ministro Mark Rutte transformou a busca e o julgamento dos culpados em uma das prioridades de seu mandato.
De modo paralelo, o grupo de investigação jornalística Bellingcat informou que revelará nesta quarta-feira os nomes de "indivíduos relacionados com a destruição do MH17" e destacou que seu trabalho é "totalmente independente e distinto" da investigação oficial.
"Esperamos ter os nomes e as funções dos suspeitos", disse à AFP Piet Ploeg, presidente de uma associação de parentes e que perdeu três familiares no acidente.
Os deputados holandeses ratificaram em 2018 um acordo assinado com a Ucrânia para que os processos judiciais aconteçam na Holanda.
Os acusados também poderiam ser julgados à revelia, pois a Rússia nunca extradita seus cidadãos perseguidos judicialmente no exterior.
A derrubada do MH17 piorou ainda mais as relações entre a Rússia e os países ocidentais, já muito deterioradas após a anexação da península da Crimeia por parte da Rússia em 2014 e pelo conflito no leste com os separatistas. Segundo vários países, estes últimos recebem apoio de Moscou.
* AFP