Como saber se Mark Zuckerberg, o CEO do Facebook e homem sob investigação, realmente se sente contrito e constrangido pelo fato de sua empresa não conseguir proteger os dados pessoais dos usuários, como ele disse durante o depoimento que deu ao Congresso, em dez de abril?
Bom, como não poderia usar a túnica dos penitentes, então foi com o traje equivalente: terno e gravata.
Tudo começou no dia nove, quando Zuckerberg fez a ronda entre os congressistas em um modelo escuro, camisa branca e gravata azul-petróleo; no dia seguinte, quando ocupou seu lugar no salão da comissão, a versão era marinho, e a gravata, azul no tom Facebook. Era sombria. E estava de acordo com a marca.
Para alguém que fez de sua marca registrada profissional e pessoal a camiseta cinza e o jeans – inclusive postando em seu perfil foto da fila de cabides iguaizinhos no armário –, cujo sucesso transformou essas peças em verdadeiros símbolos para uma nova geração de revolucionários, tão inspiradoras em termos de vestimenta como o terno de Savile Row já foi um dia, foi uma mensagem visual de renúncia e respeito tão forte quanto qualquer pedido de desculpa verbal.
Cosmético? Talvez. Superficial? Claro. É bem provável que, assim que voltou para a Costa Oeste, chegou em casa e a primeira coisa que fez foi se trocar. Entretanto, não deixou de ser estratégico e eficiente em termos ópticos.
"Como gesto simbólico, o recado foi um primor", diz Alan Flusser, alfaiate em Nova York e autor de "Clothes and the Man".
Com ele, mandou a seguinte mensagem para os políticos desconfiados: "Estou em seu território, por isso, aceito suas regras." Como também: "Tá bom, talvez no Vale do Silício a gente não tenha muita noção", e "Reconheço a responsabilidade que me cabe e a levo a sério." Foi como se ele se rendesse à interpretação geral de que aquele era um momento "compenetrado" porque, na iconografia das roupas, o terno é a vestimenta do adulto, enquanto a camiseta é a do adolescente, do desocupado, do violador de regras.
Eliminou uma das principais marcas da diferença entre a velha e a nova guardas, substituindo-a pelo ramo de oliveira da semelhança. (Zuckerberg, por sinal, vestia as mesmas cores que o republicano John Thune, da Dakota do Sul, presidente da Comissão Comercial do Senado.)
E bloqueou um espaço aberto para ataques: na véspera do depoimento de Zuckerberg, Larry Kudlow, o novo assessor econômico de Trump, disse aos repórteres que lhe perguntavam a respeito da regulamentação do Facebook: "Será que ele vai usar terno, gravata e camisa branca? Essa é a minha grande dúvida. Será que vai se comportar feito adulto, como o líder de uma grande corporação, ou vai me aparecer aqui de macacão e moletom?". (Na ocasião, Kudlow estava usando um terno de risca de giz azul com um lenço branco no bolso e tinha um cachecol enrolado no pescoço feito um laço.)
"Zuckerberg sabia que o público estaria de olho para saber a resposta", afirma Joseph Rosenfeld, assessor de estilo pessoal especializado no mundo da tecnologia do Vale do Silício e Nova York, cujos clientes trabalham em empresas como Apple, Intuit e Google.
Obviamente não foi a primeira vez que Zuckerberg vestiu um terno, mas talvez dê para contar nos dedos quantas vezes o fez: sempre em ocasiões públicas e (sem contar o casamento) sempre quando chefes de Estado e autoridades estavam envolvidos. Podemos citar, por exemplo, a ocasião em que discursou na cúpula do G8, na França, em 2011; o jantar oficial para o presidente chinês Xi Jinping, em 2015; a entrevista que fez com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, no Facebook, no mesmo ano; no depoimento à justiça de Dallas durante o processo de propriedade intelectual da Oculus, em 2017.
Mesmo assim, é uma raridade tão grande que o ex-presidente Barack Obama chegou a fazer piada sobre o fato, no debate de 2011, referindo-se a uma reunião anterior e descrevendo a si mesmo como "o cara que forçou o Mark a usar paletó e gravata".
E embora se saiba que as camisetas e moletons de algodão cinza de que Zuckerberg tanto gosta não são, nem de longe, simples como parecem – são da Brunello Cucinelli, marca italiana especializada no que pode ser chamado de "casual utópico", com preços a partir de US$295 (pela camiseta) –, onde compra seus ternos é um mistério.
Muito se escreveu sobre o vestido de sua mulher depois da cerimônia do casamento, mas pouco se falou sobre seu modelo escuro. Uma porta-voz do Facebook se negou a comentar a escolha para a visita ao Congresso. Rosenfeld disse não ter a mínima ideia da marca, nem se Zuckerberg estava aceitando dicas externas. Uma pesquisa rápida com meus colegas que trabalham no Vale do Silício resultou apenas em perplexidade. O fato é que, ao longo dos anos, os ternos de Zuckerberg foram ficando mais justos, as gravatas mais finas, a estética em geral menos garoto-desconfortável-no-terno-emprestado-do-pai.
Faz sentido. Zuckerberg conhece o papel da imagem na comunicação – afinal, o Facebook é uma plataforma baseada em fotos. Como o capitalista de risco e bilionário do Vale do Silício Peter Thiel escreveu em seu livro de 2014, "De Zero a Um": "Essa história de o pessoal da tecnologia não se importar com o que veste é um grande clichê. Todo mundo, desde os mais largados aos mais arrumadinhos, planeja cuidadosamente a aparência".
É certo que Zuckerberg algumas vezes chegou a reconhecer publicamente a forma conscienciosa com que usa suas roupas – e só porque é famoso por vestir a mesma coisa todo dia não significa que não pense sobre moda ou como suas roupas serão interpretadas. Na verdade, é exatamente o contrário.
Sua linha do tempo inclui o evento histórico "usei gravata durante um ano", em 2009, no mesmo nível de "tornei-me vegetariano" (em 2011) e "casei-me com Priscilla Chan" (2012).
"Quis mostrar a todo mundo no Facebook que esse ano foi muito sério para nós, e para simbolizar essa seriedade e essa importância, decidi usá-la todo dia", escreveu ele na postagem.
Depois, em 2014, durante um debate, alguém lhe perguntou sobre as camisetas e ele respondeu: "Eu quis dar uma 'limpada' na minha vida de modo a poder tomar o menor número possível de decisões e me concentrar principalmente no serviço à comunidade. Na verdade, há várias teorias que dizem que decidir o que vestir, o que comer no café da manhã e coisas do tipo, consomem energia, deixam a pessoa cansada."
O que significa que ele usa todo dia a mesma coisa porque quer pensar nisso só uma vez e não se preocupar mais com a questão.
Embora a situação atual contrarie um bocadinho a eficiência dessa abordagem.
Por Vanessa Friedman