O assassinato de jornalistas, a repressão às manifestações populares e as "fake news" ameaçam a liberdade de expressão na América Latina - afirmaram especialistas esta semana em Washington.
Essa situação é preocupante em um ano em que dois em cada três países latino-americanos elegerão novos governantes, concluiu um fórum que analisou o último informe da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Segundo o documento, em 2017, 22 jornalistas foram assassinados nas Américas, e dezenas denunciaram intimidações. "Boa parte desses delitos permanece em preocupante impunidade", alerta o texto.
"Zonas no México, na Guatemala, em Honduras, incluindo a fronteira entre Brasil e Paraguai, enfrentam uma violência estrutural, onde o crime organizado está infiltrado nas instituições estatais, e isso põe a América Latina no lugar do mundo sem guerra mais perigoso para exercer o jornalismo", disse à AFP o titular da RELE, Edison Lanza.
Na quarta-feira, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) divulgou um relatório, apontando o México, com 11 jornalistas assassinados em 2017, como o segundo país mais letal para a imprensa depois da Síria.
- Valdez, caso emblemático -
Tracy Wilkinson, uma veterana correspondente no México do jornal "Los Angeles Times", considerou o caso do fundador do semanário "Riodoce" e colaborador da AFP Javier Valdez, morto em Sinaloa no ano passado, como "emblemático" da violência sofrida pelos profissionais da informação na América Latina.
"Escreveu tantos livros e ganhou tantos prêmios que achou que sua fama o protegeria. Mas mataram ele", disse, emocionada, ao se referir a seu "mestre e amigo".
Morto a tiros na rua e em plena luz do dia, Valdez havia denunciado a máfia liderada pelo chefão do tráfico de drogas "El Chapo" Guzmán, hoje preso nos Estados Unidos.
Na segunda-feira, as autoridades mexicanas informaram a detenção de um dos coautores do crime e reconheceram que Valdez foi morto por seu trabalho.
"Duvido que tenha muita vontade política de enfrentar essa situação", lamentou Wilkinson, sobre as perspectivas após a eleição presidencial mexicana.
Segundo Lanza, no México, 98% dos crimes contra jornalistas continuam impunes.
- Alarme na fronteira -
"Na Colômbia, também houve um aumento na violência, apesar de avanços na proteção de jornalistas em risco e na luta contra a impunidade", acrescentou Lanza.
O recente sequestro e assassinato na fronteira colombiano-equatoriana de três membros do jornal "El Comercio" de Quito por dissidentes das dissolvidas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) gera forte alarme na região.
"É um sinal de que esses grupos não apenas vão contra defensores dos direitos humanos, mas que também buscam silenciar jornalistas", afirmou a diretora do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil), Viviana Krsticevic.
Depois da paz com as Farc, na Colômbia, diminuíram "de maneira significativa" os números gerais de homicídios, mas aumentaram os assassinatos seletivos a líderes sociais em zonas rurais por lutas pelo controle do território, apontou.
Quase 300 líderes sociais foram assassinados desde 2016, muitos por seu apoio ao pacto de paz, segundo a Defensoria do Povo colombiana.
- Abusos e notícias falsas -
Os abusos oficiais para frear protestos sociais, que provocaram dezenas de mortes no meio de ano passado na Venezuela, há alguns meses em Honduras e, nos últimos dias, na Nicarágua, onde um jornalista foi assassinado, também geram preocupação.
"Esperamos que a repressão na Nicarágua não se transforme em algo rotineiro e generalizado como na Venezuela", disse à AFP a diretora-executiva da RSF na América, Margaux Ewen.
O relatório da RSF destacou o número recorde de detenções arbitrárias e de atos de violência contra jornalistas na Venezuela e os "excessos autoritários" do presidente Nicolás Maduro.
Em seu informe, a RELE denunciou a mobilização "excessiva e desproporcional" da força pública contra manifestantes e pediu que se proteja o direito da população a expressar sua insatisfação.
Lanza também apontou para o desafio das chamadas "fake news", ou a difusão deliberada e mal-intencionada de desinformação na Internet, muitas vezes para prejudicar um candidato político, com o risco de que os governos reajam impondo uma excessiva regulação.
"Nos preocupa, ainda mais em contextos eleitorais, mas temos de tomar cuidado para que a resposta dos Estados não seja a censura em massa", ressaltou.
Lanza pediu aos meios de comunicação que sejam rigorosos na verificação de dados para evitar reproduzir notícias falsas e, aos usuários, que recorram a "meios tradicionais com trajetórias reconhecidas" para comprovar informações de origem duvidosa.
* AFP