Reinventada como senadora, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner, 64 anos, deve retornar ao palco político do seu país ostentando cargo público e mirando as eleições presidenciais de 2019. Mesmo se mantendo praticamente todo o tempo na distância gélida da província patagônica de Santa Cruz, Cristina apareceu nas Prévias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso) como a ocupante de uma das três vagas para o Senado nas eleições parlamentares de 22 de outubro.
As Paso, realizadas no último dia 13, são uma espécie de pesquisa oficial feita voto a voto com toda a população – ficou praticamente estabelecido, com tranquila antecedência, que Cristina e o ex-ministro da Educação do atual governo, Esteban Bullrich, serão os mais votados, com performance equilibrada. O ocupante do terceiro assento buenairense será Sergio Massa, um ex-kirchnerista que disputou o primeiro turno das eleições presidenciais em 2015.Cristina presidiu o país entre 2007 e 2015. Sucedeu ao marido, Néstor (2003-2007), morto em outubro de 2010. Na campanha para as Paso, ela se apegou à imagem que traz do longo período em que o kirchnerismo dominou o país. Poucos foram os comícios e os contatos com aliados. Analistas entendem que, além de esse distanciamento das bases sempre ter sido uma característica de Cristina, ela evitou se expor. De negativo, seu currículo conta com algumas pendências judiciais que inclusive fazem das eleições de outubro a chance de ganhar imunidade.
Os imbroglios de Cristina na Justiça são cinco. No caso Dólar Futuro, a presidente irá a julgamento sob a acusação de ter fraudado a administração pública. O juiz Claudio Bonadio sustenta que o Banco Central perdeu 26 bilhões de euros nas manobras financeiras de compra de dólares no mercado futuro a um preço muito abaixo do de mercado. No caso Rastro do Dinheiro K, Cristina é investigada por supostamente ter sido conivente no desvio para paraísos fiscais de dinheiro que seria destinado a obras públicas. Tanto ela quanto Kirchner estariam envolvidos no esquema, promovido pelo empresário Lázaro Báez, de quem eram sócios. Báez está preso há 14 meses.
O terceiro processo refere-se ao procurador Alberto Nisman, encontrado morto em janeiro de 2015. No dia seguinte, ele apresentaria ao Congresso provas de que a então presidente Cristina havia encoberto a participação de autoridades iranianas no atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia).
Um quarto caso é o da Hotesur, inquérito que investiga relação entre a empresa dos Kirchner, proprietária do hotel Alto Calafate, na falsa ocupação de aposentos. A estratégia contábil transpareceria irregularidades e indicaria a lavagem de dinheiro, entre outras situações tidas como suspeitas.
Finalmente, no caso Los Sauces, a imobiliária de mesmo nome, dos Kirchner, é investigada por lavagem de dinheiro. Dezenas de propriedades na Patagônia foram alvo de busca e apreensão. Teriam sido assinados aluguéis fictícios com Báez para mascarar obras públicas sem licitação e pagamentos de propinas. a disputa entre doismodelos na economia– Cristina voltará a um cargo público e conseguirá imunidade. Mas a votação semelhante à de Esteban Bullrich é ruim para a imagem dela. O ideal, para se candidatar a presidente, teria sido o retorno com uma vitória de V maiúsculo – comenta Ariel Palacios, correspondente em Buenos Aires e analista da Globonews.
O retorno de Cristina ocorre depois de ela ter sido considerada carta fora do baralho em 2015, quando Daniel Scioli, seu candidato, perdeu as eleições para o atual presidente, Mauricio Macri. Até então, além de dois mandatos na Casa Rosada, ela havia sido uma ativa primeira-dama e, desde 1989, acumulado cargos legislativos. Neste ano, ela deixou o peronismo e criou a sua Unidade Cidadã. Ao mesmo tempo em que o retorno tíbio da ex-presidente não estimula pretensões presidenciais, as Paso também mostram a fraqueza de Macri. Cristina não se empenhou na campanha, e ainda assim Bullrich não decolou. Os governistas temem perder o peso da base parlamentar.
Desde que tomou posse, em dezembro de 2015, Macri não alavancou a economia do país. O desemprego aumentou, a inflação subiu e as tarifas tiveram aumentos que chegaram a 300%. Resultado: o presidente teve perda de 20 pontos percentuais na popularidade. Está com pouco mais que 40%. Cristina tem pouco menos que 30%, em especial na periferia da província de Buenos Aires, o universo que a elegerá senadora. Muitos dos seus votos cativos são residuais de um modelo que tinha a inclusão como prioridade. Macri adota um sistema liberal que busca tornar a economia mais eficiente. O analista político argentino Joaquín Morales Solá diz que “o destino de Cristina parece oscilar entre o retorno à política eleitoral ou a ida para a prisão”. E acrescenta que a província de Buenos Aires é “o único lugar onde ela poderia postular uma vaga como legisladora tendo certo êxito”.