Com medo de um caos maior, os venezuelanos se preparam para uma greve de 48 horas que será realizada pela oposição na quarta (26) e quinta-feira (27). A paralisação será um ultimato ao presidente Nicolás Maduro, para que suspenda a eleição, no domingo (30), da polêmica Assembleia Constituinte.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) pediu que abastecessem suas casas de comida em função da greve, que foi convocada junto com bloqueios das ruas em todo o país, o que gera preocupação de possíveis casos de violência.
– Comprei comida extra, que não estraga: enlatados e congelados (...). Temos de nos preparar para não morrer de fome – disse Eugenia Santander, moradora de Montalbán, oeste de Caracas.
Com enormes malas nas costas, decididos a migrar ou a se abastecer com comida, milhares de venezuelanos cruzam a fronteira com a Colômbia.
– Tivemos de adiantar (a viagem) porque as eleições são no domingo e, de verdade, não sabemos o que vai acontecer. Para estarmos mais seguros, preferimos vir – disse María de los Angeles Pichardo, que, nesta terça-feira (25), entrou na Colômbia com seu esposo e um filho.
A rejeição à Constituinte – segundo a Datanálisis, de mais de 70% – aumentou ainda mais as manifestações, que começaram há quatro meses para exigir a saída de Maduro e já deixaram mais de 100 mortos.
Para sexta-feira (28), a MUD convocou uma grande manifestação em Caracas, advertindo que, se Maduro insistir na eleição, tomará ações mais contundentes no sábado e no domingo em um "boicote cívico eleitoral".
"Queremos viver dignamente"
Leonor Cardozo, administradora de 56 anos que vive em El Cafetal, no sudeste de Caracas, comprou frango e verduras para 15 dias, para não ter de ir à rua.
As principais centrais sindicais anunciaram que se juntarão à greve. Entretanto, o governo controla a estratégica indústria petroleira, fonte de 96% das divisas do país, e o setor público, de mais de três milhões de funcionários.
– Exigimos que Maduro pare com a Constituinte porque irá trazer mais fome e miséria. Só queremos viver dignamente – assegurou o sindicalista Miguel Quiroz, da Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV).
A convulsão política se deve a uma severa crise econômica com escassez de alimentos e remédios, além de um alto custo de vida. O FMI calculou em 720% a inflação para este ano e em 12% a queda do PIB.
"Maduro está mais duro do que nunca"
A MUD não participará da Constituinte alegando que não foi convocada em referendo e o sistema de eleição dos 545 legisladores foi feito para que o governo a controle e possa impor, segundo dizem, um "sistema comunista".
– Se for imposta a fraude constituinte, Maduro levará à quebra do país [...], isolará a Venezuela do mundo – afirmou o líder opositor Henrique Capriles.
Maduro, no entanto, assegurou que, no domingo haverá uma "vitória popular da Constituinte".
"Suportamos mil cargas do fascismo, e aqui estamos, Maduro está mais duro do que nunca", afirmou durante um ato em Caracas.
Em uma reunião na segunda-feira (24) com o ex-chefe do governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, o opositor Leopoldo López, em prisão domiciliar, advertiu sobre "o grave conflito" que será desatado pela Constituinte.
Rodríguez Zapatero, que promoveu em 2016 um frustrado diálogo, quer aproximar posições, mas a MUD rejeita conversar sem que a Constituinte seja detida.
Aumentando as tensões, dois magistrados da Suprema Corte paralela designada pelo Parlamento foram detidos nesta terça, chegando a três juízes presos.
"Maquinário 4x4"
O governo começou a realizar o seu chamado "maquinário 4x4": cada membro das organizações de base do partido da situação e dos movimentos sociais deve levar 10 eleitores às urnas.
Os outros dois eixos são um censo para a distribuição de alimentos subsidiados e uma identificação em massa dos beneficiários de programas sociais, o que é visto pela MUD como um mecanismo de controle e pressão para votar.
Segundo o analista Benigno Alarcón, uma alta abstenção diminuiria a legitimidade da Constituinte, diante dos 7,6 milhões de votos que, de acordo com a MUD, obteve o plebiscito simbólico realizado em 16 de julho contra essa iniciativa.
Essa legitimidade também está afetada por um crescente chamado dos governos da América Latina e da Europa para que Maduro desista de seu projeto. O presidente americano, Donald Trump, foi mais longe ao ameaçar com sanções econômicas.
– O tempo dos impérios e dos que se acreditam donos do mundo acabou – respondeu Maduro, que acusa os seus adversários de orquestrar um golpe de Estado com o apoio dos Estados Unidos.