Uma declaração feita pelo premier iraquiano, Haider Al-Abadi, provocou forte impacto. Disse ele que a vitória em Mossul contra o grupo Estado Islâmico (EI) recai "sobre a brutalidade e o terrorismo" e que agora a prioridade do governo é a "estabilidade e a reconstrução". Al-Abadi acrescentou que a derrota dos terroristas, que haviam assumido o controle de Mossul em junho de 2014, "afunda" o seu Estado fictício. Em seguida, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, emitiu comunicado no qual dizia que "os dias do EI no Iraque e na Síria estão contados". A euforia foi contida pelo comandante da coalizão antiextremista liderada pelos EUA, Stephen Townsend, que ponderou: mesmo sendo "um golpe decisivo" nos terroristas, "ainda resta dura luta à frente".
No dia seguinte, 11 de julho, foi anunciada a morte de Abubakr al-Baghdadi, 46 anos, o criminoso mais procurado do mundo, pelo qual os EUA ofereciam US$ 25 milhões. E aí está mais um elemento que corrobora a tese segundo a qual o EI está se esfacelando. Al-Bagdadi, também conhecido como califa Ibrahim, era o líder do grupo extremista e do seu califado desde 29 de junho de 2014.
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A derrocada do EI não é completa, mas o grupo se vê fragilizado. Ainda controla de forma residual zonas no Iraque, incluindo as cidades de Tal Afar (distante 50 quilômetros de Mossul) e Hawija (300 quilômetros de Bagdá) e zonas desérticas da província de Al-Anbar (oeste), bem como a região de Al-Qaïm, na fronteira com a Síria. Também se mantém em pontos isolados no leste e no centro da Síria. De qualquer forma, a perda de Mossul e a confirmação da morte de Al-Baghdadi simbolizam uma derrocada, que pode ser ilustrada pela normalização da vida na cidade iraquiana. Foi em Mossul que Al-Baghdadi fez sua única aparição pública, da qual há registro em vídeo divulgado em julho de 2014.
Washington e Paris parabenizaram Bagdá pelo que definem como vitória sobre o EI. O Irã, que apoia milícias xiitas iraquianas no combate ao EI, felicitou o Iraque pela vitória e ofereceu ajuda para reconstrução das cidades recuperadas. Al-Abadi sustenta que "só restam um ou dois redutos jihadistas" e que "a vitória é questão de tempo", porque "os últimos jihadistas estão cercados". Em junho, já havia publicado no Twitter: "Estamos assistindo à derrocada do falso Estado".
O sociólogo Mark Juergensmeyer, especialista em terrorismo, ponderou, em texto no The Cairo Review of Global Affairs, que o EI, além de promover a supremacia sunita, exporta o jihadismo. No primeiro caso, os territórios são importantes. No segundo, não. "Como a história recente mostra amplamente, não são necessários muitos ativistas com agenda extremista e o desejo de perder suas próprias vidas em ataques suicidas para causar danos. O espectro do EI pode seguir aterrorizando o mundo por algum tempo", escreveu.
Em termos territoriais, mesmo antes da queda de Mossul, a organização de pesquisa e análise Rand Corporation indicava que, no fim de 2014, cerca de 11 milhões de pessoas viviam em território controlado pelo EI. Até o início deste ano, o grupo já havia perdido 73% desse contingente populacional e 57% do território que controlava.
E entra aí uma questão significativa também em termos de estrutura do grupo para qualquer tipo de ação: paralelamente à redução territorial, diminuem o número de combatentes e as fontes de financiamento, entre as quais estão impostos cobrados das populações que vivem nas áreas controladas. A conclusão do estudo é de que "atentados inspirados no EI tendem a ser menos sofisticados, usando facas ou veículos".
Atentados podem ser a forma de reação
O analista colombiano Marcos Peckel, especialista em conflitos e particularmente em Oriente Médio, alerta:
– Derrotar o EI na Síria e no Iraque não acabará com o terrorismo islâmico nem com esse grupo, porque é uma ideologia representada por organizações prontas para atuar. Atentados podem ser feitos para elevar o moral dos jihadistas, conseguir recursos e se mostrar presentes. É importante identificar por que jovens se mostram dispostos a se imolar por uma causa vazia e também seguir o dinheiro proveniente de países como a Arábia Saudita.
O mexicano Mauricio Meschoulam, analista de relações internacionais e autor do livro Isis ou Estado Islâmico – Entender sua Guerra para Buscar a Paz, identifica não apenas a perda de terreno físico, mas também simbólico.
– Mossul é importante não só por se tratar da segunda cidade iraquiana, mas porque representava mensagem de prosperidade e viabilidade do EI, sob o governo do califa. Isso chega ao fim. O EI retrocede a 2011, quando era um grupo de jihadistas, que contava só com o recurso do terrorismo para ser relevante – diz, ressalvando que ainda há áreas controladas e sede de vingança que pode redundar em violência.