Duas situações em polos opostos elevaram a um grau cada vez mais alto a tensão provocada pela ruptura institucional venezuelana, que deixou pelo menos três mortos na quarta-feira em confrontos. De um lado, o presidente Nicolás Maduro tratou, na véspera, de insuflar as forças militares.
De outro, a oposição, acuada pela repressão e sem margem para uma saída eleitoral, uniu-se como raras vezes nos últimos anos.
Presidente do instituto Datanálisis, Luis Vicente León é enfático:
– A oposição nunca esteve tão unida, e o governo nunca esteve tão militarizado.
O governo, conforme León, cria um impasse que pode acarretar adiamento de eleições. Com isso, aposta na tradição de os oposicionistas se dividirem e no surgimento de um líder chavista forte.
Convocados pelo presidente, policiais, militares e milicianos reprimiram com força os opositores que protestavam naquela que definiram como "a mãe de todas as marchas". Jogavam bombas e gás lacrimogêneo em diversos pontos de Caracas. O objetivo era evitar que os manifestantes chegassem ao centro da capital. Houve confrontos. Em San Bernardino, localidade de Caracas, o universitário Carlos Moreno, 17 anos, que estudava economia na Universidade Central da Venezuela, morreu no hospital após ter sido atingido com uma bala na cabeça. Os disparos teriam sido feitos por homens que circulavam em motos. Em Táchira, uma mulher de 23 anos foi morta. Também morreu um oficial da Guarda Nacional Bolivariana, atingido por franco-atirador.
A procuradora-geral, Luisa Ortega, apelou em comunicado pelos direitos dos manifestantes. "Os responsáveis dos organismos de segurança do Estado devem garantir o exercício do direito de manifestação pacífica, sob um apego estrito aos direitos humanos", disse Luisa, alinhada ao chavismo, acrescentando que "mecanismos de negociação devem se esgotar antes do uso da força".
Exemplo de desconforto entre os governistas, Luisa apela há
duas semanas para que aliados evitem um banho de sangue. Mesmo ocupando cargo de confiança no governo, classificou de "ruptura da ordem constitucional" a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) de assumir as funções da Assembleia Nacional Legislativa, de maioria opositora, voltando atrás diante das pressões.
A preocupação da comunidade internacional, dos analistas e até da procuradora chavista aumentou na terça-feira. Em cadeia nacional, Maduro convocou as forças de segurança a irem às ruas defender o governo. É o Plano Zamora, que inclui Forças Armadas, Guarda Nacional, polícia, milícia (força armada civil do governo, com centenas de homens portanto fuzis) e coletivos (outra milícia chavista). Sob comando militar, os cinco grupos teriam de garantir os atos do chavismo e conter a chegada da oposição a áreas como o centro de Caracas, onde estão as sedes dos três poderes.
Sob o argumento de que se arma um golpe do "império americano", Maduro disse que os aliados deveriam "ir ao combate".
– Vamos combater os golpistas, com o povo e as forças armadas unidas a favor da Revolução Bolivariana – bradou.
Abrigada sob o guarda-chuva da Mesa de Unidade Democrática, a oposição disse que Maduro quer "intimidar" manifestantes com envio de forças e criminalizar mobilizações opositoras. Definiu as acusações do presidente como "guerras imaginárias e conspirações inexistentes".
Os números da Venezuela dão conta de um desabastecimento que atinge 80% da cesta básica e inflação anual estimada em mais de 600%, que levam a população a enfrentar filas de sete horas apenas para comprar um pacote de farinha ou açúcar. Não bastasse o cenário socioeconômico, nas últimas três semanas, houve seis mortos e mais de 300 feridos nos protestos, com centenas que se somaram aos cem presos políticos trancafiados antes da atual crise, conforme a ONG Foro Penal.