Ao chegar à Casa Branca clamando a "audácia de esperar", Barack Obama sabia que o seu lugar nos livros de história seria sempre medido pelas excessivas expectativas que sua eleição levantou, nos Estados Unidos e em outros lugares. Além do largo sorriso, calma inabalável e elegância no exercício do poder elogiado de forma unânime, o que restará dos dois mandatos deste presidente democrata de trajeto peculiar, nascido de um pai queniano e que viveu sua infância no Havaí e na Indonésia?
Da queda acentuada do desemprego à morte de Osama bin Laden, passando pelo restabelecimento das relações com Cuba, o acordo nuclear iraniano e o global sobre o clima, o "44º" presidente, que também foi o primeiro negro da história dos Estados Unidos, pode reivindicar progressos reais.
Mas um sonho se perdeu pelo caminho: o de uma América reconciliada.
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Os anos de bloqueios caricaturais no Congresso e a eleição de Donald Trump depois de uma campanha agressiva sem precedentes mostram como o país segue atravessado por profundas divisões.
Divisões políticas, com dois blocos, republicanos e democratas, que se recusam a dialogar, mas também divisões raciais, que vieram à tona com um vigor imaginável. Ansioso para não ser taxado de "o presidente dos negros", Barack Obama talvez não tenha sido, paradoxalmente, a melhor posição para mover as linhas.
A pílula é amarga para aquele que afirmava em 2004, durante um discurso, que não haveria "uma América progressista e uma América conservadora", "uma América negra e uma América branca". Como se este presidente tranquilo e razoável, um pouco acadêmico e professoral demais para os seus críticos, não se deu conta do temor desta "outra América", a de uma classe média branca alarmada com o turbilhão globalização.
Popularidade em alta
Barack Hussein Obama deixa o Salão Oval aos 55 anos com uma enorme popularidade, semelhante à de Ronald Reagan na mesma fase. Para este quase novato na política, que prometia, com o slogan de campanha "Yes we can" ("Sim, nós podemos"), transformar profundamente os Estados Unidos, o aprendizado do poder foi rude.
Ao assumir o cargo tinha 47 anos de idade (quatro anos mais velho que John F. Kennedy), e admite que subestimou a inércia de Washington. Só pôde lamentar o tiroteio sistemático dos republicanos do Congresso, mesmo que, incontestavelmente, tenha lhe faltado flexibilidade e habilidade em suas relações com o Capitólio.
Confrontado em sua chegada à Casa Branca a um caos econômico, financeiro e imobiliário – setores inteiros da indústria respiravam por aparelhos – fez passar um pacote de estímulo de US$ 800 bilhões.
Em seguida, fez votar, depois de uma batalha parlamentar homérica, a reforma do sistema do seguro de saúde, apelidado de "Obamacare", sobre o qual todos os seus antecessores quebraram os dentes. Cerca de 20 milhões de americanos são beneficiados hoje por este programa – do qual Donald Trump prometeu se livrar.
Nobel da Paz
No front das relações exteriores, seu balanço foi misto. Neste sentido, o Prêmio Nobel da Paz em 2009 foi quase um presente envenenado. O comitê do Nobel destacou seus "extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação", trazendo um sopro de esperança onde muitos "gigantes da história", em suas palavras, fracassaram.
O ex-senador de Illinois pode, legitimamente, reivindicar uma ruptura clara com os anos Bush. Ele orquestrou a retirada das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão (diminuindo de 180 mil a 15 mil), e proibiu o uso da tortura, prática amplamente utilizada após os ataques de 11 de setembro pela CIA em interrogatórios.
Também reintegrou o Irã, grande rival xiita da Arábia Saudita, no jogo diplomático, alegando que os Estados Unidos tinham outras prioridades – Ásia e África na liderança – que apenas o Oriente Médio, tentando redistribuir as cartas.
Mas sua prudência e passividade na guerra na Síria, que tem provocado a pior tragédia humanitária desde a Segunda Guerra Mundial, coloca uma sombra sobre seus anos na 1600 Pennsylvania Avenue – endereço da Casa Branca.
Rejeitando as críticas, ele finalmente admitiu uma forma de impotência.
– Eu me pergunto regularmente: havia uma iniciativa que nós não pensamos? Havia um caminho, para além dos que foram apresentados a mim, que Churchill e Eisenhower teriam imaginado?
Discursos memoráveis
Em algumas questões, tais como o clima, este especialista em Direito Constitucional aprendeu e foi capaz de se adaptar. Da grande decepção da cúpula de Copenhague em 2009, aprendeu uma lição óbvia: nada se faz sem um eixo comum Washington-Pequim. Foi sobre esta base que se construiu em grande parte o sucesso do acordo de Paris, no final de 2015.
Em outros temas, do conflito israelo-palestino à prisão de Guantánamo, ele claramente falhou. Dois dias depois de tomar posse, assinou um decreto para fechar a prisão instalada em Cuba dentro de um ano. Oito anos mais tarde, a cárcere de reputação sinistra abriga menos detentos, mas ainda existe.
Da presidência de Barack Obama, um orador talentoso, permanecerá também um conjunto de discursos memoráveis.
Em Charleston, onde nove negros foram mortos pelas por um extremista supremacista branco, adotou acentos de "pregador" ao expressar palavras de conforto antes de cantar Amazing Grace, retomado com fervor por milhares de pessoas.
Em Atenas, o berço da demokratia, ele reconheceu o quanto o exercício da democracia, "como todo assunto humano", é imperfeito, por vezes, "lento, frustrante, confuso".
Em Chicago, terra de seu aprendizado político, ele tentou em seu último discurso fazer um último apelo, como aquele que o levou ao poder, uma noite de novembro de 2008:
– Peço que vocês acreditem na sua capacidade de serem agentes da mudança.
Ciente de que seu balanço poderia, em grande medida, ser rapidamente dilapidado por seu sucessor, Barack Obama manteve até o fim um otimismo feroz, sua marca registrada, elogiada por alguns, ridicularizada por outros.
Após o choque da vitória Trump, pediu que as pessoas aceitassem os "ziguezagues" da história e seguissem em frente, ressaltando ser inútil "enrolar-se na posição fetal."