Ícone de um país que ousou desafiar os Estados Unidos, Fidel Castro influenciou o pensamento de uma geração da esquerda brasileira. Em meio à multiplicação de regimes autoritários de direita na América do Sul nas décadas de 1960 e 1970, a Revolução Cubana inspirou setores da intelectualidade, da classe artística e da política na resistência à ditadura brasileira. Cuba provoca elogios da esquerda por sua política social, mas constrange partidos que fizeram da defesa dos direitos humanos sua bandeira. Os números positivos de educação e saúde são ensombreados pela censura, pelo partido único e por violações sistemáticas dos direitos humanos.
Expoentes de partidos de esquerda se manifestaram na manhã deste sábado sobre a morte de Fidel Castro, lembrando o protagonismo do líder cubano no cenário político mundial. Confira:
Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul pelo PT
"Fidel é uma figura da história cubana, latino-americana, um expoente do século 20. Evidentemente, é um figura controversa, libertou o seu país de uma ditadura feroz e se tornou símbolo da resistência de toda ordem da principal potência mundial que estava nas suas barbas. Resistiu até a invasões, sofreu mais de 600 atentados contra a sua vida. Retirou o povo da miséria, mas não pode, pela conjuntura mundial, garantir um padrão acima da média. Em Cuba ninguém morre de fome. Isso nem os Estados Unidos pode ignorar. Oferece serviços em educação desde a infância, de saúde, e oportunidades de viver dignamente de acordo com a cultura do povo cubano, que é formação étnica muito semelhante ao do povo brasileiro. Fidel se tornou um símbolo da ditadura pessoal, e os Castro não são todos iguais. Tem gente da família na Flórida, agindo contra Cuba e a favor dos Estados Unidos. O legado de Fidel é parecido com o de Getúlio Vargas, que encabeçou uma revolução em 1930 e depois se tornou ditador. Cuba tem muito em que avançar, principalmente na democracia, mas a herança do Fidel é inegável, uma figura mundialmente importante."
Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul pelo PT
"Fidel teve dois momentos importantes que o colocam ao lado de grandes chefes de Estado no último século. Um deles foi o brilho que ele teve na crise do Caribe, em 1961, no caso de alocação de mísseis russos na costa dos Estados Unidos, quando ele brilhou intensamente. Juntamente com o presidente Kennedy, conseguiram uma solução pacífica para aquela crise. E, em outro momento, que destaco dele como grande chefe de Estado foram os esforços que ele fez para o processo de paz na Colômbia. É bom que se divulgue que, sem a presença e a força política do Fidel, sem interferência dele, esse processo de paz não haveria. Estive com ele quando ele disse que essa guerra se tornou contra o povo latino-americano, uma guerra que não terá vencedores, que vai deteriorar o ambiente político na América Latina e tem de terminar. Para terminar, tem que aprofundar um processo de paz que leve a reconciliação política e democrática na Colômbia. No momento em que dirigentes aprofundam o processo de paz, a morte de Fidel é simbólica. O grande ato que ele teve no teatro mundial político contemporâneo, foi o impulsionar esse processo."
Raul Pont, ex-prefeito de Porto Alegre pelo PT
"Tanto o Movimento 26 de Julho quanto Fidel Castro, que lideraram a resistência à ditadura de Fulgêncio Batista, tiveram papel muito importante na América Latina, pois significou a possibilidade de construir um governo à revelia da influência do poder dos Estados Unidos e da guerra fria que dividia o mundo. Essa experiência simbolizou a luta latino-americana e teve influência muito grande nas gerações dos anos 1960 que se formaram nas universidades latino-americanas, que via nesse fato a possibilidade de mudança. Aqui no Brasil, a geração que fiz parte (entrei na faculdade em 1964, ano do golpe militar) sofreu essa influência, pois a luta mostrava que se poderia ter uma transformação profunda no país. Havia simpatia pelo Fidel e pelo Che por causa da disputa anti-imperialista, naquilo que significava a luta pela independência. A experiência de Fidel foi muito rica, mesmo com a subordinação que ocorreu. Teve significado próprio. Quando ocorreu a crise no Leste Europeu, os cubanos ficaram muito isolados, e graças a figura de Fidel é que o país manteve a experiência. Teve virtudes, teve defeitos, mas se construiu como alternativa à sociedade dominada pelo capitalismo."
Manuela D'Ávila, deputada estadual pelo PCdoB
"A morte de Fidel representa o fim de um tempo. O Fidel, talvez, fosse o último líder mundial que cresceu e se forjou no início do século passado em um período de disputa muito acirrada, no auge nas disputas dos dois campos políticos, depois da Revolução Russa e do enfrentamento americano a ela. Ele era o último grande líder vivo do período da guerra fria. Morre uma parte da história da humanidade."
Luciana Genro, PSOL, ex-deputada federal
"Fidel Castro foi a maior liderança mundial, o principal líder da primeira revolução socialista na América Latina. Há que se lamentar a morte de uma pessoa que lutou para enfrentar a pobreza, a desigualdade social e resistiu a vários atentados. A CIA tentou matar Fidel Castro várias vezes. O bloqueio econômico teve consequências terríveis para o povo, como escassez de alimentos, e o Fidel conseguiu que Cuba avançasse em serviços de saúde, de educação, que até hoje não tivemos aqui no Brasil. As pressões sobre a ilha levaram ao cerceamento democrático, mas isso não tira o brilho da tentativa de construir um outro mundo. Esse exemplo de resistência e luta, apesar das adversidades para acabar com a pobreza e o analfabetismo, é um exemplo que se deve persistir para que os sonhos se concretizem."
Carlos Araújo, fundador do PDT no Estado
"É, sem dúvida, uma imensa perda pelo que ele representou em meio século de liderança, representatividade, criatividade e de compromisso com a construção de uma sociedade mais digna. Embora estivesse doente há bastante tempo, e sua morte, de certo modo, já era esperada, não se pode deixar de lamentar e isso nos entristece profundamente. Mas temos de estar com o coração cheio de alegria para poder reverenciar a figura dele, de reconhecer tudo que fez por Cuba e pela humanidade."
Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil
"Sonhadores e militantes progressistas, todos que lutamos por justiça social e por um mundo menos desigual, acordamos tristes neste sábado, 26 de novembro. A morte do comandante Fidel Castro, líder da revolução cubana e uma das mais influentes expressões políticas do século 20, é motivo de luto e dor. Fidel foi um dos mais importantes políticos contemporâneos e um visionário que acreditou na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome nem exploração, numa América Latina unida e forte. Um homem que soube unir ação e pensamento, mobilizando forças populares contra a exploração de seu povo. Foi também um ícone para milhões de jovens em todo o mundo. Meus mais profundos sentimentos à família Castro, aos filhos e netos de Fidel, ao seu irmão Raul e ao povo cubano. Minha solidariedade e carinho neste momento de dor e despedida. Hasta siempre, Fidel!"
Leia mais: