O reconhecimento de refugiados da Venezuela está na iminência de provocar uma enxurrada, no Brasil, de pessoas que querem fugir do caos socioeconômico em seu país. O Conselho Nacional de Refugiados (Conare) diz que, nos últimos três anos, houve 2.238 pedidos de refúgio de venezuelanos (37% deles em Roraima).
– O maior número de pedidos de refúgio, nos últimos meses, é da Venezuela. Tem gente aqui no Estado também. Desde janeiro, são muitos que pedem. O conflito ainda não está reconhecido. Desde o ano passado, vem fermentando a questão da Venezuela. O que se está esperando? O estudo das Nações Unidas que estabeleça que determinado país, no caso a Venezuela, está mesmo com problemas – diz a representante do Acnur (braço das Nações Unidas para os refugiados) no Rio Grande do Sul, Karin Wapechowski.
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No Brasil em geral e no Rio Grande do Sul em particular, acumulam-se pedidos de refúgios por parte de venezuelanos. Há desde médicos até estudantes que já estão no Estado e pedem a qualificação de refugiado.
– Estão bem caracterizadas as perseguições individuais na Venezuela, em sua maioria promovidas pelo Estado venezuelano. Isso justifica uma boa avaliação. Em tese, justifica o refúgio. Mas é muito delicado. Quando um país aceita o pedido de refúgio, quer dizer que aquele país de onde saem as pessoas não está sendo capaz de proteger seus cidadãos. Isso, diplomaticamente, é péssimo. No momento em que um país diz que outro não está bem, isso pode causar algum estremecimento diplomático – acrescenta Karin.
Na América Latina, os países têm pruridos diplomáticos ao caracterizar uns aos outros.
– O Brasil precisa que a ONU faça uma avaliação e tenha uma justificativa do porquê de o Estado venezuelano não proteger seus cidadãos. Porque o refúgio é isto: é proteção às pessoas ao se constatar que outro não foi capaz. Esse tipo de decisão envolve a diplomacia, questões comerciais, muitos problemas. A Venezuela está em análise – diz a representante do Acnur.
Roraima, na fronteira, é a principal rota de entrada
No caso da Colômbia, o conflito interno com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e outras guerrilhas é reconhecido há 52 anos. Por isso, considera-se que "o país não consegue proteger seus cidadãos". Ainda que o acordo de paz esteja na iminência de ser referendado pelo voto em 2 de outubro, colombianos continuam se refugiando. No Estado, há dezenas de famílias em diversas cidades. Na segunda quinzena de setembro, chegarão mais sete.
A expectativa é de que levas de venezuelanos também passem a ser acolhidas. O Acnur estima em 7.000%, nos últimos dois anos, o aumento dos pedidos de refúgio por cidadãos desse país. Eles costumam atravessar a fronteira, em Roraima, para comprar bens de primeira necessidade, devido ao desabastecimento de 80% e da inflação estimada em 720% para 2016 no seu país. O comércio roraimense dobrou por conta desse movimento, diz o governo local. É comum a imagem de venezuelanos enchendo carrinhos com alimentos e andando pelas ruas em busca de emprego. Roraima é, para muitos venezuelanos, uma Miami, apesar de ter o menor Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, representando 0,15% da economia nacional.
Abaixo, duas entrevistas com venezuelanos que já vivem no Rio Grande do Sul e que esperam o acolhimento do seu pedido de refúgio. ADJ é uma mulher e mora em Porto Alegre. AAAF é um homem e está no Litoral Norte. Eles pedem para não ter os nomes divulgados.
"Não é possível voltar ao meu país"
ADJ, 25 anos
O que você fazia na Venezuela e agora está fazendo em Porto Alegre?
Estudei Desenvolvimento Empresarial, Segurança Industrial e Contabilidade Pública na Venezuela. Trabalhava em uma lotérica no Estado de Falcón. A crise estava a cada dia pior. Está difícil demais viver lá. Não pensava em ficar aqui, mas não é possível voltar ao meu país. Cheguei em julho. Vim estudar e trabalhar. Estudo para trabalhar como manicure.
Você veio sozinha?
Vim com meu marido, que trabalha na construção civil. Mas ele veio no final de janeiro, eu cheguei depois, para ficarmos juntos e reconstruirmos nossas vidas por aqui.
Quando você pediu refúgio?
Faz uns 15 dias que pedi. Meu marido já havia pedido antes. Espero que consigamos. A situação na Venezuela está se tornando mais conhecida. A crise é muito profunda. Todos estamos sofrendo muito. Não há esperança.
"É impossível viver na Venezuela"
AAAF, 30 anos
Você está aqui desde quando e quando pediu refúgio no Rio Grande do Sul?
Desde 22 de julho. Vim com a intenção de pedir refúgio. Pedi, formalmente, há 20 dias. É impossível viver na Venezuela. Sou de Maracay (capital do Estado de Aragua). Além de estar tudo caro, não encontramos alimentos e remédios. A violência é terrível. Eu vinha me alimentando de bananas verdes. Não tinha o que comer. Não tinha farinha, arroz, massa, nada. Quando conseguia achar carne ou leite para as crianças, era muito caro.
Você está aqui com seus filhos? São quantos?
Sim, estão aqui comigo. São três, de três, sete e 12 anos, um menino e duas meninas. E tem minha mulher, que também veio comigo. Tem 34 anos.
Qual era sua atividade na Venezuela?
Vendia coisinhas, trabalhava com comércio.
E aqui, o que você está fazendo?
Eu e minha mulher procuramos trabalho e escola para as crianças. Temos ajuda de um amigo.