A cidade de concreto cinza perto de Damasco que antes era um centro religioso e comercial aberto ao mundo, agora parece mais uma zona militar altamente controlada.
Dentro do santuário de tetos brilhantes com azulejos espelhados, homens e mulheres ainda rezam encostando o rosto no túmulo onde acredita-se estarem os restos mortais de Zeinab, neta do profeta Maomé. Porém, as ruas do lado de fora, antes lotadas de peregrinos e compradores, agora estão quase vazias. Lá se foram os piqueniques e as conversas das pessoas que lotavam o pátio azulejado, hoje frequentado por homens armados trajando uniformes.
Alguns, sentindo que o perigo imediato já passou, demostram bom humor. Recentemente, no pátio, um homem em trajes camuflados semelhantes aos dos fuzileiros americanos caminhou até um visitante e estendeu a mão.
- Sou do Hezbollah, disse.
A apresentação não oficial de um membro dessa organização refletia uma nova abertura na Síria em relação aos apoiadores estrangeiros do governo, agora que os combatentes do Hezbollah, o grupo paramilitar de xiitas libaneses, ganham mais confiança de que estão ajudando a combater os insurgentes.
Durante o conflito na Síria, o pensamento de que o santuário poderia ser destruído assustava os fiéis. Zeinab, que perdeu os irmãos e filhos em batalha e veio à Damasco como prisioneira, há muito é reverenciada, particularmente pelos xiitas, como o símbolo do sacrifício e da persistência.
O fervor religioso ajudou a estimular dezenas de milhares de combatentes xiitas a se reunir no Iraque, no Líbano e em toda a Síria, em tese, para defender o santuário, mas na prática, para lutar ao lado das forças sírias em muitas frentes. E o fervor fez com que alguns extremistas da insurreição sunita considerassem os xiitas como infiéis, e a ver o santuário como alvo de ataque.
O santuário sobreviveu, mas por um preço.
Ele é presidido, em parte, por combatentes estrangeiros, cujo papel divide os sírios profundamente - alguns são extremamente gratos, mas outros estão enfurecidos. E a história de luto e de refúgio de Zeinab reflete novamente a vida daqui. Os morteiros dos insurgentes já mataram civis nos arredores, inclusive crianças. Os bombardeios do governo destruíram os bairros mantidos pelos rebeldes, e, em seguida, os prédios danificados foram demolidos para eliminar os esconderijos de atiradores.
No santuário, uma bomba atingiu o minarete, e em março outra caiu no pátio durante as orações. O fato de ela não ter explodido é considerado um milagre.
O Hezbollah há muito declarou que proteger o santuário era motivo importante para enviar combatentes para a Síria, uma ação que derrubou alianças regionais, aprofundou as divisões políticas e sectárias do Líbano e virou batalhas cruciais a favor do governo sírio.
O Hezbollah e as autoridades sírias há muito minimizaram o papel do partido, afirmando que o exército da Síria liderava o combate. Mas com as vitórias recentes, o cálculo parece estar mudando. O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, recentemente declarou que o governo sírio estava protegido contra a queda e que o único erro do Hezbollah foi entrar na batalha tardiamente.
Muitos sírios querem listar, como demonstração de poder, a força estrangeira aqui presente, e não apenas a do Hezbollah.
Um sírio que faz a coordenação entre as forças do governo e as forças do Hezbollah em torno do santuário disse que os Guardas Revolucionários da elite iraniana não estão apenas aconselhando Damasco, e sim lutando perto da cidade de Aleppo. Segundo ele, o Hezbollah e o Irã têm treinado mais de 100.000 sírios, na Síria, no Líbano, em Teerã, para formar as milícias das Forças de Defesa Nacional. Em abril, o Irã forneceu 30.000 toneladas de alimentos para a Síria, segundo a Associated Press.
- O jogo mudou, disse o coordenador, que prefere permanecer no anonimato por questão de segurança. Ele confirmou boa parte do que as autoridades ocidentais dizem em relação ao apoio estrangeiro ao governo sírio, chamando-o de trunfo guardado para o momento certo.
- Não é mais segredo. Está sobre a mesa, ele acrescentou.
O governo não poderia ter avançado na fronteira do Líbano e no leste de Damasco sem os combatentes especialistas do Hezbollah, ele disse. Mas a maioria dos voluntários xiitas, ele acrescentou, são iraquianos, rapidamente treinados no Iraque e enviados para as linhas de frente nos subúrbios de Damasco como Qaboun e Jobar porque precisamos de números.
- Porém, agora, após o novo treinamento das brigadas Abu Fadl al-Abbas, os iraquianos conseguem fazer alguma coisa, e não apenas chegar e morrer, declarou o coordenador.
Embora o Presidente Bashar Al-Assad e muitos líderes de segurança pertençam à seita alauita, ligada ao xiismo, eles se consideram secularistas aliados do Irã e do Hezbollah por razões estratégicas e políticas, e não religiosas. Os xiitas sírios são a pequena minoria. No entanto, agora, alguns combatentes do governo adotam a iconografia xiita. As insígnias de ombros exibem Assad usando as cores verde e amarela do Hezbollah e, às vezes, ao lado de Nasrallah.
Antes da Guerra, a cidade de Sayeda Zeinab era em grande parte sunita. Os moradores, alguns dos quais fugiram, se misturavam facilmente aos peregrinos xiitas iranianos. Os refugiados do conflito, primeiramente os palestinos e depois os iraquianos, encontraram refúgio aqui.
Mas agora, segundo um trabalhador da ajuda humanitária, os iraquianos têm enfrentado pressão sectária para lutar; os insurgentes recrutam os sunitas, e os combatentes pró-governo obrigam os xiitas. E um sunita iraquiano, segundo o trabalhador, fugiu após ser confrontado pelo mesmo homem da milícia xiita iraquiana cujas ameaças o haviam expulsado de Bagdá.
Em uma tarde recente, um combatente xiita sírio foi enterrado em um cemitério ao lado do santuário. Bandeiras do Hezbollah e sírias tremulavam em inúmeras covas novas, algumas adornadas com ursinhos de pelúcia vermelhos ou com fotos dos mortos com a cúpula de ouro.
As lealdades aqui podem ultrapassar as linhas sectárias. Enquanto mulheres em pranto encostavam-se às lápides, duas outras, Lamia Abdelrahman Shahdeh e Fatima Abbas Mohammed, visitavam as sepulturas dos seus filhos, um sunita e um xiita que elas disseram ter morrido juntos combatendo os insurgentes.
Os parentes em luto receberam os repórteres. Eles agradeceram ao Irã e aos voluntários do Hezbollah e do Iraque, que foram enterrados de graça. Um membro da milícia do governo, um amigo do combatente sírio, disse que todos estavam unidos para defender a terra. Ele também levou em conta a teologia xiita, citando uma profecia do fim dos tempos falando que uma grande batalha em Damasco proclamaria a vinda do Mahdi, uma espécie de redentor. - O Mahdi está voltando. Haverá lagos de sangue, ele disse.
O governo agora controla a estrada há muito disputada saindo de Damasco até Sayeda Zeinab indo até o aeroporto. Perto do santuário, a vida está retornando aos poucos. Porém, um local antes festivo é agora sombrio. Muitos aqui vieram das aldeias xiitas de Nubol e Zahra, fugindo do ataque dos insurgentes. As histórias deles são as mesmas dos que estão sendo atacados pelo governo: corpos de crianças recolhidos dos escombros, parentes sequestrados e filhos mortos em combate.
Umm Osama fugiu de Nubol. Mesmo assim, ela teme os insurgentes locais que ameaçam matar sua família por serem xiitas e pró-governo.
- Não confio nesses cães. Ultimamente, não se pode confiar em mais ninguém, ela sussurrou.
À sombra do santuário, mulheres de Nubol faziam as suas orações. Antes desejavam mais filhos, agora pensam nos parentes sequestrados ou nos filhos servindo o exército. Segundo elas, o pátio era um local para fazer churrascos, para dormir e para tirar fotos.
- Agora, é proibido. A maioria das mulheres chora, mas suas almas sentem-se aliviadas quando vêm para cá, uma delas disse.
Fé
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