Benjamin Stora chegou a Paris em meados de 1962, um garoto exilado vestindo tantas roupas umas por cima das outras quanto seu corpinho pequeno aguentava, como parte da onda de um milhão de refugiados árabes e judeus tentando escapar dos tumultos mortais na revolucionária Argélia.
Sua família, que de repente se viu sem nada, levou consigo o máximo que pôde da terra natal, mas Stora aprendeu rápido a não falar de seu país. Não o fazia porque tinha medo de se tornar um lembrete da desgraça nacional da França, um símbolo da guerra violenta e fracassada cujo objetivo era manter a colônia sob o jugo do seu império.
Passou a ir para a escola, isolado e ressentido - embora fosse jovem demais para compreender seus sentimentos - e decidiu esquecer.
A França fez o mesmo. Aliás, o esquecimento da guerra da Argélia, campanha que começou em 1954 e deixou pelo menos 400 mil argelinos e 35 mil franceses mortos, na verdade começou bem antes do fim da luta, em 1962. O conflito foi um desastre, tanto no objetivo como na execução ? com o uso rotineiro de tortura, por exemplo ? sem contar que os censores escondiam praticamente tudo da população, confiscando jornais, livros e filmes considerados perigosos para o moral nacional.
Somente em 1999 é que o país reconheceu a luta como uma guerra e só depois disso é que ela passou a ser incluída nos livros escolares. Embora mais de dois milhões de franceses tenham ido à luta, os monumentos são escassos.
Stora, hoje com 63 anos, ganha a vida com as lembranças ? começou contra a vontade, mas depois passou a fazê-lo por convicção. Historiador prolífico, provavelmente é um dos primeiros cronistas da guerra, de seu esquecimento implícito e das formas através das quais ela continua a moldar a França moderna: no desconforto nacional em relação à imigração e ao Islã, na nostalgia em relação a um passado triunfal, na confusão em relação à identidade nacional. Se a França começou a fazer uma avaliação honesta do período colonial, foi graças, em grande parte, a ele, seus 36 livros e filmes e a crença obstinada que a Argélia continua sendo uma força tóxica na França.
- Ainda não se sabe exatamente a que ponto essa guerra, essa história, essa presença do país na Argélia marcou e traumatizou a sociedade francesa. É como um segredo ruim de família. Tudo - tudo mesmo - é resultado do conflito.
Como argelinos e árabes do norte da África constituem, de longe, a maior população de imigrantes na França, Stora acredita que isso torne o passado ainda mais desagradável e incômodo.
Ele estudava a Argélia bem antes que esse tipo de trabalho fosse considerado desejável. Na época, nos anos 70, as discussões sobre o colaboracionismo durante a ocupação nazista estavam só no começo. Hoje um homem ligeiramente enrugado, com barriguinha saliente e sobrancelhas grossas, Stora ajudou a treinar uma geração inteira de pesquisadores. Seu trabalho mais conhecido, "La gangrene et l'oubli", publicado em 1991, foi um dos primeiros a abordar a lembrança implícita da guerra. - A negação na França corrói como um câncer, escreveu.
- O livro de Benjamin Stora disse abertamente o que muita gente andava pensando e sentindo, disse Joshua H. Cole, diretor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Michigan.
Mais recentemente, começou a se dedicar a histórias populares, procurando dar maior atenção aos traumas que a guerra deixou como legado. "E o faz com certa dose de empatia", comenta Mohammed Harbi, historiador argelino naturalizado francês.
Stora confessa que seu trabalho também funciona como uma forma de terapia pessoal e o ajudou a entrar para uma sociedade para a qual nunca teve o perfil adequado. Judeu nascido na Argélia e naturalizado francês, ele se autodenomina uma pessoa meio apátrida. E sua obra conseguiu também desatar o nó da vergonha e do orgulho que há muito sentia pela terra natal.
- Ele devolveu a Argélia a todos nós, afirma Annie Stora-Lamarre, sua irmã e colega historiadora.
A família fugiu de Constantina, cidade que tinha um bairro judeu vibrante, localizado acima dos desfiladeiros onde ecoavam as saraivadas de tiros durante a guerra. Em Paris, viveu em uma garagem durante dois anos. Stora levava os amigos até a portaria do grandioso edifício que havia ao lado, mas é claro que nunca convidou ninguém para entrar.
Sua mãe, oriunda de uma família de ourives, trabalhava na linha de montagem da Peugeot, assim como o próprio rapaz durante um breve período. Seu pai conseguiu emprego em uma companhia de seguro e a irmã virou datilógrafa aos 16 anos.
- Fomos simplesmente jogados para fora da história, conta ele.
Os pieds noirs, nome dado aos franceses habitantes da Argélia colonial, eram vistos com desprezo na França. Muitos já eram pobres e quando fugiram, saíram com menos ainda. O ressentimento deles em relação aos argelinos - e também ao governo francês, por quem se sentem traídos - é profundo ainda hoje.
Isso acontece também com os harkis, argelinos que lutaram pela França, para onde, segundo cálculos de Stora, fugiram cerca de 80 mil deles e suas famílias em 1962, somente para acabar passando anos em acampamentos. Muitos foram abandonados; milhares foram mortos, considerados traidores.
Enquanto isso, o governo francês eximiu a si mesmo e a seus soldados de qualquer tipo de má conduta com uma sucessão de concessões de anistia.
- Eles tinham que esquecer para poder voltar a viver.
Foi a revolta que levou Stora a se envolver com a política radical ? ele acabou fazendo parte de um grupo trotskista e estudando o conflito argelino simplesmente por ter sido uma revolução e, como ele mesmo admite, eu era um revolucionário.
Apesar disso, depois de uma infância de exílio e pobreza, sua maior preocupação era encontrar um emprego estável. Tornou-se professor, carreira a qual se dedica há 35 anos - e abandonou o internacionalismo proletário.
Durante a década de 90, a Argélia foi castigada por uma guerra civil e Stora sempre era procurado para explicar a violência ? que em parte respingou em solo francês, com os bombardeios em 1995. Recebeu ameaças de morte ? ainda sem saber de quem ? e o serviço secreto francês achou melhor tirar sua família do país. Eles permaneceram no Vietnã até 1997, como um tipo de segundo exílio.
Durante muitos anos a Argélia exigiu um pedido oficial de desculpas da França pela colonização, mas esse nunca veio. Há poucos anos, o governo francês aprovou uma lei, posteriormente rejeitada, segundo a qual os professores teriam que enfatizar o papel positivo que a França desempenhou nas antigas colônias.
Mas as coisas mudaram. Naquele que Stora considera o primeiro grande discurso sobre a colonização, o presidente François Hollande, em 2012, pediu que franceses e argelinos deixassem de lado a negação.
- A verdade não prejudica; ela repara erros, declarou o líder.
De fato, os franceses têm a tendência de ruminar o passado. - Pode ser do tipo cheio de glórias, reconstruído e fantasioso, ou denegridor e infeliz, com o qual alguns ainda conseguem encontrar prazer.
Stora garante ter feito as pazes com sua própria história. Agora viaja frequentemente para a Argélia e até voltou para Constantina para visitar o túmulo do avô, de quem herdou exatamente o mesmo nome.
E revela que gostaria de estudar outra coisa, quem sabe assumir uma linha de trabalho diferente, "mas a sociedade sempre me atrai de volta para a Argélia", conta com uma ponta de exasperação.
- Chega uma hora que você começa a se questionar
Tantas lembranças, tanto conhecimento acumulado, será que não é hora de esquecer tudo isso? Não seria o melhor a fazer?
História
Historiador que testemunhou guerra da Argélia relembra os conflitos com a França
Benjamin Stora, com seus livros e filmes, está diretamente ligado a reavaliação francesa sobre o período colonial
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