Em janeiro, o atleta mais velho da Bélgica, Emiel Pauwels, decidiu, do alto de seus 95 anos, não enfrentar um câncer.
Numa grande festa, reuniu família e amigos para um belo jantar regado a champanha - e, ao lado dos filhos e da mulher, com uma taça em punho, recebeu uma injeção letal.
Na Bélgica, onde a eutanásia é legalizada desde 2002, a escolha foi encarada como natural. E também foi recebida com tranquilidade a extensão desse direito a menores de idade, aprovada pela Câmara na quinta-feira. Com 73% do apoio da população, o texto foi aprovado com facilidade e gerou contrariedade discreta no país. Durante a votação, um homem foi retirado da sessão aos gritos de "Assassinos". Na semana passada, 185 pediatras assinaram carta aberta ao rei Phillippe pedindo que vetasse a lei. O que não se esperava era o tsunami de interesse e de fúria que a decisão provocou no resto do mundo.
Na vizinha Alemanha, o editorial do jornal conservador Die Welt foi a extremos para criticar a medida: "A Bélgica permitiu a matança sob encomenda de crianças em estado terminal e se encaminha para o abismo ético".
No Canadá, um pediatra, pai de uma menina nascida com deformidade mortal no coração e que só sobreviveu após uma série de cirurgias, lançou apelo em vídeo para que o monarca belga vetasse o texto. No entanto, faltou conhecimento: segundo a lei, qualquer criança doente pode pedir a eutanásia, mas o pedido só é atendido em caso de morte iminente e depois de psicólogos e médicos chegarem ao consenso de que o paciente é maduro o suficiente para entender o significado do procedimento. Os pais também precisariam aprovar o pedido.
Os países europeus que permitem a eutanásia são Suíça, França, Alemanha, Áustria, Luxemburgo e Holanda, esta última a partir dos 12 anos.
Pediatras comemoram chance de discutir alternativas
O senador socialista Philippe Mahoux, autor da lei de 2002 sobre eutanásia, afirmou que é preciso responder ao desejo expresso por médicos e enfermeiras, confrontados com o "sofrimento insuportável" das crianças. A eutanásia é "o gesto último de humanidade" e não "um escândalo", disse.Pediatras a favor da medida afirmam que jovens querendo morrer são raros, mas que desejam discutir as opções.
Em entrevista ao jornal britânico The Independent, a pediatra Jutte Van der Werf Ten Bosch, do Hospital Universitário de Bruxelas, foi cautelosa:
- Posso suportar que eles sofram se é o que querem. O que não posso suportar é não poder falar sobre outras soluções e discuti-las. Isso me faz sentir que sou covarde e não estou apresentando todas as possibilidades.
Os requisitos
Como funciona a lei aprovada
Doença incurável
A criança deve ter uma doença incurável e em estado terminal, com a morte iminente. Também deve estar passando por "sofrimento físico constante e intolerável". Assim como para adultos que desejam a eutanásia, o diagnóstico e o prognóstico devem ser avalizados pelo médico que trata do paciente e por um outro médico trazido para dar uma segunda opinião.
Discernimento
O paciente será entrevistado por um psiquiatra ou psicólogo, que determinará se o requerente possui "capacidade de discernimento" e certificará por escrito.
Consentimento dos pais
O médico da criança encontrará os pais ou guardiões legais para informá-los do resultado da consulta e garantir que eles estejam de acordo com o pedido.
Proposta por escrito
O pedido, assim como o termo de consentimento dos pais, deve ser entregue por escrito.
Suporte emocional
Tanto a criança quanto a família devem receber cuidados psicológicos caso queiram.
Eutanásia
Há dois métodos: a ingestão de um xarope a base de barbitúricos ou uma injeção da substância. O paciente morre em minutos em qualquer uma das duas opções.