Roubar os ovos de um crocodilo de três metros enfurecido é uma operação delicada.
- Se você não ficar alerta, este crocodilo consegue pular da água para a areia e, no mesmo movimento, pode te pegar - , disse Luis Rattia, de 37 anos, que administra uma incubadora no rancho estatal El Frío, parte de um esforço inconstante para salvar da extinção o crocodilo do Orinoco, o maior predador da América do Sul.
Antigamente havia milhões de crocodilos do Orinoco ao longo das margens do grande rio, que lhes deu o nome, e dos seus afluentes na Venezuela e no leste da Colômbia.
Porém, os temíveis animais quase foram exauridos pela moda. Eles foram caçados à quase extinção da década de 1920 até a década de 1950 para alimentar a demanda mundial de botas de couro de crocodilo, casacos, bolsas e outros artigos. Hoje, os biólogos estimam haver apenas aproximadamente 1500 crocodilos do Orinoco na natureza, quase todos eles na Venezuela.
O Rancho El Frío, que foi expropriado pelo governo da Venezuela em 2009, representa as esperanças e frustrações dos conservacionistas que têm trabalhado para salvar o animal há anos, geralmente com propósitos conflitantes com um governo que frequentemente os vê com desconfiança. Graças em parte a essa desarticulação, os esforços para salvar o animal sofrem com a falta de coordenação e de verba, pondo em perigo o seu já limitado sucesso.
- Não existe um programa devidamente definido com financiamento e objetivos. O animal está em perigo crítico - , disse Omar Hernández, diretor de uma fundação ambientalista chamada Fudeci.
Quando o naturalista e explorador Alexander Von Humboldt viajou pelas planícies venezuelanas em 1800, ele encontrou crocodilos cobrindo as margens do rio, com os machos maiores chegando a até 7,3 metros de comprimento.
José Gumilla, um padre do século XVIII que escreveu uma história natural do Orinoco, falou do medo que o enorme crocodilo inspirava.
- É a própria ferocidade, a prole bruta da maior monstruosidade, o horror de todo ser vivo; tão assustador que caso um crocodilo se olhasse no espelho, ele fugiria de si mesmo tremendo - , descreveu.
É fácil entender do que Gumilla estava falando. Em outro rancho gerido pelo governo perto de El Frío, um crocodilo enorme se repousou na parte rasa da correnteza de um riacho, os olhos quase fechados, a boca aberta no que parecia um sorriso cruel. Com as costas escamosas de um dragão; a cauda pontiaguda; os dentes brancos compridos; e barriga gorda semelhante à de uma minhoca, parecia ser algo proveniente de um mito. De repente, ele se moveu com a rapidez de um relâmpago, batendo a cauda e devorando um peixe que nadou para dentro do alcance de suas mandíbulas arrebatadoras.
Os primeiros esforços em conjunto para a reprodução do crocodilo do Orinoco foram iniciados na década de 1980 por rancheiros com o espírito de conservação cujas propriedades abrangiam o território do animal que antes era extenso.
Então, em 1990, os cientistas começaram a soltar os jovens crocodilos nos rios dentro do rancho El Frío, onde os crocodilos selvagens não tinham sido vistos há pelo menos duas décadas. Atualmente, os pesquisadores estimam que até 400 crocodilos habitem o rancho, formando uma população completamente nova, o que demonstra a capacidade de recuperação da espécie se as condições forem favoráveis.
- Este é o grande sucesso do programa. A conquista é que não havia nenhum crocodilo aqui, e agora existe uma população que consegue se reproduzir - , declarou Álvaro Velasco, ex-biólogo do governo que lidera um grupo independente de especialistas em crocodilos.
Ele estava com Rattia certa manhã, na borda de uma vasta lagoa no rancho, quando um crocodilo macho grande veio à tona 15 metros para fora da margem. Velasco disse que o animal, com aproximadamente 4,6 metros de comprimento, tinha por volta de 20 anos, o que o coloca em uma das primeiras gerações de crocodilos soltos aqui.
O programa em El Frío foi iniciado quando o rancho de mais de 61.916 hectares estava em mãos privadas, como parte de uma estação de pesquisa iniciada na década de 1970 que trazia cientistas do mundo inteiro para estudar a ecologia das planícies venezuelanas.
Durante uma onda de estatizações executadas pelo presidente socialista de longa data do país, Hugo Chávez, El Frío foi expropriado em 2009. A estação de pesquisa foi fechada abruptamente, e um biólogo espanhol que antes a administrava foi impedido de entrar no rancho.
Atualmente, a incubadora persiste por um triz, principalmente devido à perseverança de Rattia. Após o controle do governo, declarou Rattia, ele foi remanejado para trabalhar como mecânico de carros, algo no qual ele não tinha nenhuma experiência. Após vários meses, quando os crocodilos começaram a morrer, ele fez um apelo aos novos gestores do rancho para que lhe permitissem retornar à incubadora.
Ele vem administrando-a quase que sozinho desde então.
Existem seis instalações na Venezuela envolvidas na criação de crocodilos do Orinoco para soltura na natureza. A maioria colhe os ovos de crocodilos selvagens, como é feito em El Frío, ou dos crocodilos criados em lagoas pequenas cercadas para a reprodução. Eles incubam os ovos e criam os filhotes até que estejam com mais ou menos um ano, quando são grandes o bastante para terem uma grande chance de sobreviver sozinhos.
Os humanos continuam sendo os maiores inimigos dos crocodilos. Os moradores rurais pobres regularmente os matam por medo de que eles ataquem as pessoas, afirmaram os conservacionistas. Também usam os ovos como alimento e capturam filhotes de crocodilos para vender como animais de estimação.
Os conservacionistas disseram que os esforços para salvar o crocodilo eram minados pela ausência de guardas de caça para patrulhar os rios onde os crocodilos vivem. As iniciativas privadas para salvar o crocodilo do Orinoco também enfrentam sérios desafios. Uma delas, no Rancho Masaguaral, originou a primeira incubadora do país no final da década de 1980, e hoje ela produz aproximadamente 200 filhotes de crocodilo por ano, mais do que qualquer outra instalação.
No entanto, o governo há muito tem sido antagonista aos grandes proprietários de terra, os classificando como inimigos do seu programa revolucionário. Após as estatizações de El Frío e de alguns outros ranchos, a ameaça de expropriação é uma preocupação constante.
Masaguaral e outros esforços privados contam com a negligência benigna. Hernández, o diretor da fundação do meio ambiente, disse que o governo havia cortado praticamente toda a comunicação com tais programas independentes. Ele disse que todos os anos ele solicitou permissão para soltura dos crocodilos em um parque nacional no Rio Capanaparo, e que o governo reiteradamente não respondeu.
- Na teoria, eles querem fazer tudo, mas aí eles não fazem - , Hernández declarou.
Não obstante, o potencial da cooperação público-privada pode ser visto em outro rancho administrado pelo governo, chamado El Cedral. Com o financiamento de uma fundação privada iniciada por um ex-funcionário do Ministério do Meio Ambiente, o rancho criou no ano passado uma incubadora de crocodilos, onde existem agora 90 filhotes de crocodilos sendo criados em tanques bem cuidados.
Pedro González, de 57 anos, que trabalha na incubadora, recordou como o pai costumava caçar crocodilos à noite em uma canoa, usando um arpão, o método tradicional por aqui.
- Estou recriando o que o meu pai destruiu - , González disse.
Meio ambiente
Falta de verbas ameaça programa de combate a extinção de crocodilos na Venezuela
Demanda pelo couro quase extinguiu o crocodilo do Orinoco, o maior predador da América do Sul
GZH faz parte do The Trust Project