Os fairways verdejantes dos campos de golfe fora desta cidade nordestina em Myanmar podem sugerir uma medida de normalidade e tranquilidade - exceto pelas pistolas que alguns dos golfistas portam.
Em uma região conhecida por ter exércitos étnicos rivais e gangues do tráfico de drogas, muitas autoridades acham prudente portar armas de punho mesmo enquanto jogam 18 buracos.
Na cidade, localizada ao longo da fronteira com a Tailândia, surge um quadro de desordem quase não controlado, com pelo menos oito milícias étnicas patrulhando as estradas trajando uniformes diferentes. Apesar da presença das milícias - ou, em alguns casos, facilitados por elas, afirmam os funcionários tailandeses - os traficantes de drogas regularmente trafegam cargas de heroína e comprimidos de metanfetamina para a Tailândia.
Myanmar deu início a uma transformação impressionante nos últimos dois anos, movendo-se na direção da democracia e deixando para trás um legado de cinco décadas de governo militar. Porém, as regiões fronteiriças do país, há muito devastadas pelo conflito étnico, são um obstáculo teimoso às esperanças do governo de paz nacional. As autoridades reiteradamente têm adiado a divulgação de um cessar-fogo, em parte, devido à incapacidade do governo de se reconciliar com os grupos étnicos localizados em um arco no entorno das fronteiras do norte e do leste do país.
A ONU divulgou em dezembro que a produção de ópio de Myanmar, que é usado para fabricar heroína, aumentou 26 por cento este ano em comparação a 2012. O cultivo do ópio pelos agricultores empobrecidos da região aumentou durante sete anos consecutivos, declarou a ONU. A produção de metanfetaminas no nordeste de Myanmar também aumentou.
- Esta região é ignorada na discussão mundial sobre Myanmar - , disse Jason Eligh, o gerente da área rural de Myanmar do Gabinete das Nações Unidas Contra as Drogas e o Crime. - O nível crescente do cultivo do ópio é um indicador de que as coisas não estão indo bem -
Eligh, que já viajou bastante pelo nordeste de Myanmar, afirma que a região sofre com a - mistura clássica de armas e tráfico -
- São dúzias de grupos com dezenas de agendas diferentes. Não vamos encontrar uma solução para o conflito sem primeiro tratar a questão das drogas. Estamos falando de um processo que levará muitos anos - , afirmou.
Um conflito intermitente entre o governo central e a confusão emaranhada dos grupos étnicos no norte e no nordeste de Myanmar é, às vezes, descrito como a guerra civil de maior duração do mundo.
Desde que Myanmar, então chamada de Birmânia, ganhou a independência da Grã-Bretanha em 1948, os grupos étnicos vêm lutando por maior autonomia. Atualmente, no primeiro governo nominalmente civil desde 1962, eles estão clamando pelo federalismo. O governo central e especialmente os militares ainda não propuseram uma alternativa específica para o Estado altamente centralizado do país, controlado por membros do principal grupo étnico, os Birmaneses.
A volatilidade da região é realçada por ataques e conflitos periódicos, inclusive com uma explosão perto da fronteira com a China recentemente que deixou pelo menos três pessoas mortas, segundo os relatos do noticiário birmanês.
Uma espécie de autonomia de facto reina em muitas partes das regiões fronteiriças, inclusive em grandes faixas do território onde o governo central tem pouca ou nenhuma presença.
O exemplo mais severo envolve a etnia Wa, que tinha alguma autonomia durante o governo colonial britânico e que desde 1948 construiu um Estado dentro do Estado, inclusive com as suas próprias forças armadas, o Exército do Estado Wa Unido. Com pelo menos 20.000 homens armados, é um dos maiores exércitos rebeldes da Ásia.
Os Wa construíram as suas próprias estradas, escolas, hospitais, tribunais e prisões. Eles utilizam as suas próprias placas de carro, têm a própria força policial e acessam as redes chinesas e tailandesas para ligações telefônicas e conexões com a internet. A liderança escreve em caracteres chineses, e muitos, se não a maioria dos Wa, não falam birmanês.
U Aung Myint, um porta-voz do povo Wa, disse por telefone que sua liderança não tinha mantido conversas com as autoridades do governo birmanês desde outubro.
- O governo em Naypyidaw não respondeu apropriadamente ao nosso pedido de um estado Wa autônomo - , disse, se referindo à capital de Myanmar. Os Wa ainda não decidiram se devem concordar com o acordo de cessar-fogo nacional, ele disse.
Aqui em Tachilek, os Wa têm um "escritório de ligação" que funciona como uma embaixada.
U Ar Thet, o principal agente do escritório de ligação, disse a um repórter visitante que os mais ou menos 20 representantes Wa no escritório de ligação estão armados "para autodefesa".
Os Wa rejeitaram o papel do governo central na condução de um recenseamento no ano que vem. Os líderes Wa dizem que eles contarão o seu próprio povo.
Os negociadores de paz do governo encontraram uma grande variedade de grupos étnicos, às vezes, em territórios dominados pelos rebeldes. No entanto, o governo postergou a questão principal, afirmam os líderes étnicos, de como um Estado unitário acostumado a décadas de governo militar vertical delegará o poder para as regiões étnicas em um país novo e mais democrático. Os líderes dos grupos étnicos afirmam que os militares, que têm mantido importante influência e poder no novo governo, não parecem estar se afastando da ideologia do comando central.
- Todos, inclusive o presidente, estão falando de federalismo - menos os militares - , disse o General Gun Maw, o vice-chefe do Estado-Maior do Exército pela Independência de Kachin, uma milícia étnica que regularmente tem entrado em choque com as tropas do governo.
Falando à margem das negociações de paz em novembro, o general disse que o governo e os grupos étnicos - ainda estavam na fase preliminar das conversações de paz -
Os observadores externos afirmam que veem uma melhoria geral na situação do norte de Myanmar, no entanto, estão preocupados com os confrontos continuados e periódicos entre as tropas do governo e as forças étnicas.
Um funcionário da inteligência militar tailandesa, membro da força-tarefa especial que lida com a segurança da fronteira, disse acreditar que os militares birmaneses estavam aplicando a estratégia "morde e assopra".
- O governo birmanês é muito bom nisso. Estão tentando pressionar cada vez mais esses grupos. E depois quando a tensão aumenta, eles propõem mais conversações -
A Tailândia está particularmente preocupada com a situação devido às apreensões recordes de metanfetaminas nos últimos anos e a perspectiva da violência transbordar nas fronteiras, como já aconteceu.
O funcionário da inteligência, que se recusou a dar o nome porque atrapalharia o seu trabalho, disse que os líderes étnicos lhe contaram que - no fundo eles não confiam no governo, especialmente porque o governo e os militares parecem estar se movendo em direções opostas -
Ar Thet do escritório de ligação dos Wa não quis comentar sobre a perspectiva geral de paz. Entretanto, disse que a situação da segurança tinha definitivamente melhorado em Tachilek durante as suas duas décadas e meia trabalhando na cidade.
- Quando cheguei aqui havia tiroteios quase todos os dias. Atualmente é apenas de vez em quando -
Um grande golfista, ele também minimiza o perigo de conflito nos fairways.
- Durante os meus 15 anos aqui, só houve um ataque no campo de golfe - , argumentou.
Avanço prejudicado
Desordem nas regiões fronteiriças mancha o progresso de Mianmar
Apesar de registrar avanços democráticos nos últimos anos, país ainda sofre com milícias que circulam pelas fronteiras
GZH faz parte do The Trust Project