Há pouco tempo, em uma tarde de domingo, centenas de moradores de um pequeno vilarejo na Sardenha se reuniram para comemorar o centésimo aniversário de Claudina Melis, uma de suas mais queridas moradoras, mas ela não é a única a conseguir a façanha.
Ao seu lado, no primeiro banco da igreja, está uma irmã, de 105, Consolata, ambas usando o tradicional preto das viúvas. Ali perto, outros cinco irmãos, todos com mais de 85 anos, e suas famílias.
Em 2012, o clã Melis entrou para o Guinness World Records porque a idade somada dos nove irmãos, atualmente em 825 anos, é a mais avançada do mundo. Graças à combinação de genes bons, ar puro, comida saudável, exercícios físicos, rapidez de pensamento e laços familiares fortes, eles se tornaram símbolo do estilo de vida mediterrâneo invejado em todo o planeta.
Porém, ao analisarmos as gerações posteriores, percebemos outro padrão: dentre os nove irmãos, são poucos os que concluíram o primário. (Claudina e Consolata pararam no segundo ano.) A maioria de seus filhos tem o diploma do ensino médio e/ou universitário e está aposentada - e os filhos deles, que nasceram depois de 1970, estão praticamente todos formados, mas não conseguem emprego.
Enquanto as pessoas no Mediterrâneo estão vivendo mais, as taxas de natalidade estão caindo e o desemprego entre os jovens disparou na Itália, Grécia, Espanha e Portugal - e o resultado é que as dificuldades financeiras do continente estão piorando o que já é uma crise demográfica. Os especialistas alertam que, nos próximos anos, haverá menos trabalhadores para garantir a aposentadoria das gerações mais velhas.
Na porta da Igreja de São Pedro após a missa de aniversário, usando uma faixa com as cores da bandeira italiana, o prefeito de Perdasdefogu, Mariano Carta, reconhece a crise.
- Com certeza, já temos um problema dos grandes. O ar daqui pode ser bom, mas sem empregos não dá para sobreviver.
No alto das montanhas do leste da Sardenha, Perdasdefogu, cuja economia está centrada em uma base militar sob investigação por uma possível contaminação de urânio, perdeu 500 habitantes em vinte anos, com a população caindo para duas mil pessoas. Atualmente tem dois aposentados para cada trabalhador, uma média de idade de 47 anos e taxa de desemprego de 25 por cento.
- Se continuarmos assim, o sistema não vai aguentar muito tempo - diz Mariano.
Entre 2001 e 2011, o número de cidadãos italianos centenários subiu 138 por cento; o de nonagenários, 78. Em 2011, o último ano nas estatísticas oficiais, vinte por cento da Itália tinha mais de 65 anos.
Todos os irmãos Melis nasceram em Perdasdefogu, filhos de Francesco Melis e Eleonora Mameli, que tinham um armazém geral. Consolata, de 105, é a mais velha; Claudina tem 100; Maria, 98; Antonino, 94; Concetta, 92; Adolfo, 90; Vitalio, 87; Fida Vitalia, 81 e Mafalda, a caçula, 79. Seus descendentes somados representam um terço da população do vilarejo.
Eles se lembram de quando a malária campeava na Sardenha antes de ser erradicada com a ajuda dos EUA, depois da Segunda Guerra Mundial, e de quando a energia elétrica chegou à cidade, nos anos 50, pouco depois da água encanada.
- A gente tinha que ir ao poço, pegar água de balde - conta Claudina, em casa, entre os familiares, na véspera do aniversário.
- Os jovens de hoje não sabem o que é pegar no pesado - sentencia ela.
Com isso, quer dizer que a juventude nunca teve que enfrentar trabalho duro, - mas a observação também pode se aplicar à taxa de desemprego da juventude italiana, que chega a 38 por cento. Muitos italianos bem qualificados têm que tentar a sorte no exterior, o que acaba pesando no moral e na economia do país.
Stefano Lai, de 27 anos, um dos muitos netos de Claudina, foi criado em Cagliari, capital da Sardenha, e agora está fazendo doutorado em Engenharia Biomédica na prestigiada Scuola Superiore Sant'Anna, em Pisa. Ele diz que gostaria de ficar na Sardenha, ou na Itália, entretanto, não tem muitas esperanças.
- Sair da Sardenha foi bem difícil para mim. Sair da Itália talvez seja mais complicado, mas talvez inevitável. As oportunidades são poucas, pelo menos no meu campo.
Na porta da igreja depois da missa, os pais de Stefano, Italo Lai, de 77 anos, aposentado da saúde pública, e Marina Caria, de 68, se entristecem com a perspectiva.
- É muito deprimente - lamenta.
- O negócio é torcer para que eles todos encontrem alguma coisa por aqui - acrescenta, referindo-se ao governo de coalizão do primeiro-ministro Enrico Letta, que afirma que o combate ao desemprego entre os jovens é sua prioridade.
- Poder viver perto das pessoas que se ama não tem preço. É muito difícil partir, nem que seja para trabalhar - desabafa Stefano Lai. Seu primo Alberto, de 19 anos que mora em Perdasdefogu, concorda.
Os Melis parecem mesmo ser uma família feliz - e garantem que a receita da longevidade é a fé na Igreja Católica e a ausência de estresse. Praticamente não há brigas ou desentendimentos entre eles.
- Se você ataca, eles revidam com um gesto de carinho - conta o primo Giacomo Mameli. Um faz companhia ao outro e riem de suas piadas.
Aos 105, Consolata usa roupas pretas desde que perdeu o marido, em 1968, mas não o senso de humor. Quando pedi que tirasse os óculos para ser fotografada, ela riu e disse:
- Pronto, é agora que arrumo um namorado!
Consolata vive em um apartamento simples de dois quartos, cheio de imagens religiosas e fotos de família, na mesma casa que os outros irmãos. Ela teve 14 filhos, dos quais nove sobreviveram.
- Hoje em dia tem televisão; naquela época, não tinha - diz uma de suas sobrinhas, Anna Maria Melis, enquanto a família se espreme na sala pequena para compartilhar histórias, à guisa de justificativa.
Consolata ainda prepara sua própria sopa de legumes, geralmente tomando metade no almoço e esquentando a outra metade no jantar. A irmã Claudina faz o mesmo.
- Ainda faço a minha sopa - disse ela na véspera do 100º aniversário.
- E ainda falo mal dos outros - completou, com uma piscada. Quando perguntei como ela passava o tempo, Claudina riu:
- Saio sentando de cadeira em cadeira.
Antonino e Vitalio, carteiro aposentado, trabalham quase todos os dias na horta que possuem na periferia do vilarejo, com vista para as montanhas do leste da Sardenha. Com o sol já se pondo, eles me mostraram as belas fileiras de cebolas, alho, fava e grão-de-bico.
Os irmãos Melis contam que comem e bebem de tudo, mas sempre com moderação. Praticamente todos passaram a vida inteira no vilarejo. Seus netos, que nasceram na Sardenha, mas se espalharam pela Itália, não se cansam de admirá-los.
- Eu também quero chegar aos 105, mas só se for desse jeito, todo animadinho e cheio das piadas. Eles ainda gostam de viver - diz Stefano Lai.