Ao se completarem 20 dias em que vive na zona de trânsito do aeroporto moscovita de Sheremetyevo, o técnico em informática americano Edward Snowden chamou 13 organizações de direitos humanos para fazer um desabafo e manifestar uma decisão.
O desabafo: tomou um fartão do ambiente destinado a acomodar passageiros que perderam o voo por atraso ou cancelamento. O anúncio: aceita silenciar para ter o asilo provisório russo enquanto aguarda a viagem segura a algum país latino-americano.
O lugar onde Snowden vive conta com lojas, lanchonetes, telefones e internet em instalações amplas. Os passageiros podem se acomodar no Capsule Hotel Air Express, onde há 66 quartos, cada um com banheiro próprio, Wi-Fi e televisão. Paga-se pelo tempo que se fica. Uma vida confortável, enfim. Mas três semanas sob a tensão da incerteza fizeram Snowden, o homem mais procurado pelos Estados Unidos no momento, preparar cuidadosamente a conversa com os representantes das entidades. As instruções eram rigorosas: eles deveriam se reunir no terminal F, no centro do saguão. Um funcionário do aeroporto os recebeu com o cartaz em que estava escrito "G9". Todos deveriam portar cópia do convite enviado e o documento de identidade.
Em comunicado assinado por "Edward Joseph Snowden", ele disse aos convidados: "Tive a felicidade de desfrutar e aceitar muitas ofertas de apoio e asilo de países valentes. Essas nações contam com minha gratidão." E acrescentou: "Testemunhamos uma campanha ilegal, por funcionários do governo dos EUA, para negar meu direito de gozar desse asilo como me é assegurado pelo artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos."
Poucas alternativas para a viagem segura
Snowden revelou o esquema de monitoramento de dados de internet e de telefones feito pelos EUA, que atingia milhões de pessoas em todo o mundo. Seu futuro silêncio é uma condição russa para evitar constrangimentos com os EUA. Ele está na zona de trânsito do aeroporto (uma área neutra, internacional) desde 23 de junho. Já teve o asilo diplomático aceito por Bolívia, Nicarágua e Venezuela. O problema é a segurança para viajar. Conforme o diplomata brasileiro Rubens Barbosa, um desses países poderia lhe dar o chamado "documento de viagem", que substituiria o passaporte e permitiria a viagem num voo de carreira de Moscou a Cuba (da companhia Aeroflot). Outro diplomata, Jorio Dauster, ponderou que haveria a possibilidade de caças americanos ou europeu fazer o voo aterrissar.
Depois do encontro de ontem, Snowden passou a ter o apoio manifesto da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, e de entidades com o peso da Anistia Internacional, da Human Rigths Watch, a quem ele disse que considera "impossível" viajar à Venezuela, devido ao bloqueio aéreo americano e europeu. A alternativa a Havana seria a de seguir em direção ao Mar de Barents, ao norte da Escandinávia. De lá, em águas internacionais, viraria ao sul, rumo à Venezuela, sobrevoando o Oceano Atlântico. Em voos normais, o primeiro problema seria a falta de passaporte: os EUA revogaram o de Snowden. A ONG World Service Authority lhe emitiu um "passaporte mundial", mas ele vale apenas em seis países.
Zero Hora fez contato também com a embaixada russa no Brasil. O retorno: o tema deve ser tratado com cautela, por Moscou. EUA e Rússia querem evitar desconfortos diplomáticos.
A presença de Snowden ontem na reunião com as entidades de direitos humanos afastou uma especulação que vinha ganhando força: que ele estivesse já em algum outro país. Na Rússia, o americano recebeu até uma inusitada proposta de casamento. "Snowden, will you marry me?!" ("Snowden, queres casar comigo?!"), tuitou Anna Chapman, espião russa detida nos EUA em 2010. Seria a mais segura das opções: pavimentaria o caminho para Snowden ser cidadão russo.
O que ele revelou
Estes foram os principais temas que levaram à busca de Snowden:
Abalo americano
Em 5 de junho, o jornal britânico The Guardian revelou a existência de ordem judicial secreta obrigando a empresa de telefonia Verizon a fornecer à NSA dados dos seus clientes de abril a julho deste ano.
Dados sobre estrangeiros
Em 6 de junho, o jornal Washington Post e o Guardian afirmaram que a NSA e o FBI haviam pedido para que nove das maiores empresas americanas no setor de internet vigiassem e interceptassem comunicações de internautas estrangeiros fora dos Estados Unidos.
China
Em matéria do jornal South China Morning Post, de Hong Kong, em 22 de junho, Snowden disse que o governo americano pirateava empresas de telefonia, universidades e operadoras de fibra ótica chinesas
UE e América Latina
No dia 30 de junho, a revista semanal alemã Der Spiegel, baseando-se em documentos confidenciais fornecidos por Snowden, informou que os EUA tinham acesso a e-mails, documentos internos e instalava microfones em escritórios da União Europeia. Um programa semelhante também foi utilizado na América Latina.