O local onde Hugo Chávez está sepultado, em Caracas, transformou-se em altar de adoração. ZH acompanhou a peregrinação de um grupo de chavistas ao local de culto à memória do ex-presidente, que já entrou para a mitologia do país. A Venezuela vai às urnas no domingo para escolher o sucessor do líder morto em 5 de março.
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O ponto mais alto da montanha caraquenha onde estão a Praça do Eterno Retorno e o antigo Quartel da Montanha se tornou local de adoração e, em mais de um sentido, de elevação. O quartel agora é o Museu da Revolução, e, para esse ponto com vista panorâmica de Caracas, acorrem os simpatizantes do ex-presidente Hugo Chávez. Os restos do líder jazem ali, em uma estrutura de mármore preto e sob o severo olhar do retrato de seu próprio herói, o libertador Simón Bolívar.
Acompanhada de 31 adoradores chavistas em um micro-ônibus especialmente destinado a fazer esse percurso na manhã de sexta-feira, no dia que marcava 11 anos do resgate de Chávez em uma tentativa de golpe, Zero Hora presenciou cenas de arrebatamento que não deixam dúvida: o presidente deixou a vida para se tornar quase um santo, situação que exerce forte influência nas eleições de domingo.
ZH começou o percurso pela planície, no Palácio de Miraflores. Em um local onde só se veem retratos do presidente interino e candidato governista, Nicolás Maduro, até mesmo um lojista simpatizante da oposição ostenta o retrato de Chávez.
- Aqui tem de ser assim. Mas, por favor, sem foto. Posso ser prejudicado...
Claro, ele não foi fotografado.
Militar ameaçou confiscar câmera
Já no palácio, a reportagem quis fazer uma simples foto da fachada. Também não pôde, mas por outros motivos: os mais de 10 soldados que fazem a segurança do local não deixaram. Ameaçaram confiscar a máquina caso a imagem retratada não fosse apagada.
Mais adiante, uma militar, consultada sobre como chegar ao bairro de 23 de Enero (onde fica o museu e um dos principais redutos chavistas), deu três abanadas em um leque improvisado e sugeriu:
- Vai sair uma caminhonete levando gente até lá. É um passeio para quem quer matar a saudade do comandante. Quem sabe você aproveita e vai junto com a turma que deve sair daqui a pouco?
Que dica! E o local de onde sairia a tal caminhonete (na verdade, um micro-ônibus) nem ficava tão longe. A parada era na Rua Silêncio, esquina com a Avenida Calvario - silêncio e calvário, duas palavras tão simbólicas como Eterno Retorno.
A partir desse ponto, o ônibus subiu uma elevada íngreme em que nem parecia haver eleições com mais de um lado na disputa: retratos em abundância mostravam Maduro e Chávez juntos ou separados. A única exceção não desfez a regra: um casebre de madeira ostentava o retrato de Bolívar. Henrique Capriles (o candidato oposicionista)? Nem reflexo.
No ônibus, só tocava música rancheira. E quem as comentava e as cantarolava? Chávez, o próprio, com sua voz de trovão, na emissora Yuke Mundial, que tem um programa dedicado a tocar as músicas preferidas do comandante, como diz o próprio título da atração bolivariana. Algumas pessoas riam da lembrança de um superpai brincalhão e travesso, outras choravam pela saudade que sentem dessa mesma pessoa. Só o repórter não fazia nem uma coisa nem outra, assim como também não vestia o vermelho dominante. Apenas perguntava:
- O senhor vem de longe?
- Sim, de Guayana, na fronteira com o seu país (o Brasil) - respondeu Armando Quiroga. - Vim aqui só para ver o nosso comandante. Estou triste, mas nervoso de feliz por viver este momento.
Já Luivis Ojedal, que chorou e foi intensamente aplaudida por colegas de excursão ao defender a revolução em entrevista filmada por ZH, disse:
- Ninguém vai nos tirar o sonho que o comandante nos deu.
Naquele museu, está encerrado o sonho. Além do corpo de Chávez, há uma capela dedicada a ele na entrada do prédio, outra capela em que dois cartazes do comandante cercam uma cruz (deixando ele e Jesus Cristo no mesmo altar), uma cronologia mostrando a trajetória nacional e internacional do líder e outras imagens, como se o defunto revivesse em fotos e pinturas a óleo.
As pessoas param, olham e choram pela memória do líder. Mas o guia lembra: Chávez era fã do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, autor da tese do "eterno retorno", o nome da praça que fica em frente.
E aí todos sorriem.