Marjah, Afeganistão - O diretor da escola para garotos neste canto no sul do Afeganistão tem saboreado, durante os três últimos anos, uma rara sequência ininterrupta de períodos escolares que encheram as salas de aula e atraíram alunos a quilômetros de distância.
Mas a experiência lhe ensinou a não esperar que os bons tempos durem para sempre.
Durante apenas 12 anos, Abdul Aziz, de 50 anos, viu ao menos dois governos antieducacionais irem e virem. Ele abre as portas de sua escola quando a política local permite, mas com toda a volatilidade ele não consegue atrair bons professores ou até mesmo adular o departamento educacional da província para que lhe mande livros suficientes. Sua escola fica fria no inverno, tórrida no verão e mal equipada o ano todo, mas, pelo menos, está aberta.
- Quando o Talibã chegou ao poder, no anos 90, nós perdemos muitos alunos e muitas pessoas deixaram Marjah - disse ele. - Então, em 2002, depois que o Talibã fugiu, as pessoas voltaram e as escolas reabriram até que o Talibã voltou em 2006, e as escolas fecharam. Então nós reabrimos em 2010 quando os fuzileiros norte-americanos vieram.
Sua escola serve de exemplo de como o aumento das tropas dos Estados Unidos na província de Helmand melhorou as vidas das pessoas em lugares como Marjah, outrora reduto do Talibã. No entanto, isso também mostra as limitações do que pode ser conquistado no Afeganistão rural do sul, mesmo com os vastos recursos do ocidente em serviço.
Uma combinação de insegurança, dificuldades logísticas e corrupção, na maioria da vezes, impede que as escolas que conseguem abrir suas portas sejam adequadamente equipadas ou organizadas, e muitos pais ainda têm receio de mandar seus filhos para elas.
- Essa não é a história apenas de Marjah, essa é a história de toda a Helmand rural - disse Nasima Niazi, membro do Parlamento de Helmand, que lecionou por anos nas escolas da província antes de se candidatar ao cargo.
Ainda assim, hoje há 140 mil crianças matriculadas nas escolas da província, de acordo com o departamento educacional, o que é um número surpreendente, dado que em 2002, quando Niazi voltou a lecionar, havia apenas 75 alunos na escola em Lashkar Gah, a capital provincial.
A situação em Marjah é considerada um sucesso também, embora mais tênue. Com nove das 15 escolas abertas e com 5 mil crianças assistindo aulas, não existe comparação com a situação de três anos atrás. Mas as famílias daqui estão sempre prontas para tirar seus filhos da escola por conta do medo arraigado de represálias do Talibã. Esse medo continua vivo, apesar de qualquer esforço do Talibã para melhorar sua imagem permitindo que escolas para garotos continuassem abertas em várias áreas de Helmand, segundo Mohammed Nasim Safi, chefe do departamento educacional da província.
Agora, muitas vezes a barreira é o enraizado preconceito antieducação da população rural, diz Saif. Helmand, que está mergulhada na conservadora cultura pashtun, tem a taxa de alfabetização mais baixa do país, com 8 por cento dos homens e muito menos mulheres capazes de ler, em contraste à taxa de alfabetização de 43 por cento do país para os homens, de acordo com estatísticas brutas usadas pelo exército norte-americano em Helmand.
- A maioria das escolas fechadas está ou em áreas onde a presença do governo é zero, ou em áreas onde as pessoas não estão interessadas em educação e em mandar seus filhos para a escola - disse ele, ressaltando que das 336 escolas na província, apenas 185 estão abertas.
A educação estatal no Afeganistão rural tem tido uma história conturbada, depois de um começo lento e cuidadoso nos anos 50 sob o regime do Primeiro Ministro Sardar Mohammad Daoud Khan e de Mohammad Zahir Shah, o antigo rei. Quando os comunistas chegaram ao poder em 1978, eles forçaram uma campanha de educação que despertou a ira não apenas dos habitantes do campo, mas também dos mujahidin, que viam a educação estatal como anti-islâmica, de importação.
Os mujahidin queimaram milhares de escolas nos anos 80 e início dos anos 90, e mataram milhares de professores, de acordo com um relatório sobre o desenvolvimento da política educacional do Talibã pelo Afghanistan Analysts Network, um grupo de pesquisas em Cabul.
Quando o Talibã tomou o poder em 1996, eles desencorajaram violentamente tanto meninos quanto meninas a irem à escola. Em 2001, depois da invasão dos Estados Unidos e das forças aliadas, uma nova ênfase na educação se deparou com a zombaria dos afegãos rurais, mas aos poucos isso mudou. Muitos pais agora querem desesperadamente que seus filhos aprendam a ler e escrever e também a fazer contas para que possam ajudar a sustentar melhor a família.
O diretor, Aziz, é responsável pela escola Bloco 5 em Marjah, que fica na interseção de duas estradas de terra. Seus compridos prédios de um andar ficam frente a frente do outro lado de um pátio cheio de ervas-daninhas com uma gangorra e um balanço enferrujados. No começo do inverno, um vento frio passou pela grama e entrou pelas portas abertas das salas de aula onde as crianças tremiam de frio nas antigas carteiras de madeira.
Todos os garotos - não há escolas para garotas em Marjah - precisam de alguma coisa. Alguns têm um caderno, mas não têm mochilas ou sapatos; outros têm sapatos, mas nenhum caderno.
- Temos livros para a primeira, segunda, quarta e sexta séries, mas não temos o suficiente para a terceira - disse Aziz.
Amanullah, de 12 anos, que usava um gorro de lã sobre as orelhas e uma jaqueta grande demais para ele, observava enquanto seu professor, um homem de barba grisalha usando um aparelho auricular, falava alto com os alunos. Na classe ao lado, havia um instrutor feroz ensinando a língua pashto com a ajuda de uma chibata, que ele periodicamente chicoteava no ar de modo ameaçador, enquanto as crianças o observavam com nervosismo.
- Eu gostaria de ser médico - disse Amanullah, que, assim como muitos afegãos, usa apenas um nome, e então completou: "ou engenheiro".
Ambas são possibilidades remotas para um garoto do interior em Helmand, mas ele tem perseverança de sobra. Ele acorda antes de amanhecer para ajudar seu pai com as tarefas e então caminha duas horas para ir para a escola e duas horas de volta toda noite. Seu pai assume a parte de Amanullah no trabalho nos campos para que ele possa ir a escola.
Aziz disse estar bravo que os fuzileiros americanos não tenham feito mais para ajudá-los.
- As crianças deveriam ser prioridade - ele disse. - Os soldados estrangeiros têm todas as comodidades a seu dispor, eles têm ar-condicionado 24 horas por dia, sete dias por semana em seus aposentos. Essas crianças? Olhe para os pés delas, algumas não estão calçando nada.
Na verdade, entre 2009 e 2012, mais de 22,4 milhões de dólares foram aplicados no sistema educacional de Helmand através da equipe de reconstrução provincial de uma organização humanitária dinamarquesa, da USAID e do programa de intervenção de emergência do chefe do exército dos Estados Unidos. Outros 9,4 milhões de dólares estão no orçamento de 2013, mas muitos professores no interior dizem que a ajuda não chega até eles.
- Algumas crianças vêm de vilas muito remotas. Os fuzileiros forneceram a alguns alunos de outra escola bicicletas, mas não deram nada para meus filhos, eles ficaram muito desapontados - contou Aziz.
As crianças vieram. O zelo pela educação está entre os desenvolvimentos mais rápidos nessa área pobre, e talvez, mais do que qualquer outra coisa, seja um sinal de esperança que mesmo que o Talibã retorne, ele não será capaz de acabar inteiramente com o sistema de educação, agora que este tem o apoio popular.
No dia frio de inverno em Marjah, até o segurança da escola, Koko Jan, falou sobre a importância de receber educação. Ele só sabe escrever seu próprio nome.
Ao observar a repórter tomando notas na escola, ele pareceu saudoso e disse: - Eu gostaria de poder escrever tão rápido quanto você.
The New York Times
Mesmo sob ameaça de volta do Talibã, cresce apoio a escolas no Afeganistão
Apesar do medo de sofrer repressálias de fundamentalistas, famílias estão cada vez mais conscientes sobre a importância da educação
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