Tartus, Síria - Partidários do regime do presidente Bashar al-Assad estão se mudando em massa para a cidade portuária de Tartus, às margens do Mediterrâneo, criando uma comunidade populosa e muito diferente do labirinto de ruas arruinadas que atualmente compõe a maior parte das cidades da Síria.
Não há sinais de bombardeios e ataques aéreos para interromper a calma do dia. Famílias enchem os cafés em frente ao mar, que geralmente ficam abandonados durante os gelados dias de inverno no mês de dezembro. O mercado imobiliário nunca esteve melhor. Uma pequena base naval russa dá ao menos a impressão de que o socorro estará por perto, caso seja necessário.
Muitos dos novos moradores são membros da minoria alauita, a mesma seita xiita à qual pertence o presidente Assad. Os últimos a chegar à cidade vieram fugidos de Damasco, após concluírem que, apesar do frio, as casas de veraneio seriam uma opção mais interessante que a guerra na capital.
- Ir para Tartus é como chegar a um país diferente - afirmou um jornalista sírio que recentemente se encontrou com habitantes da cidade. - As ruas parecem totalmente seguras e tranquilas, como se as pessoas dissessem: 'Continuamos vivendo nossas vidas enquanto o exército luta em outro país'.
Se Damasco cair nas mãos da oposição, Tartus será fundamental para a tentativa de criar um novo país. Alguns têm a expectativa de que Assad e a elite da segurança tentem sobreviver ao colapso do regime por meio da criação de uma republiqueta alauita na região costeira, estabelecendo Tartus como a nova capital.
Já existem vários sinais de que o regime está se preparando para isso.
O governador da província de Tartus anunciou recentemente que especialistas estão estudando como transformar o pequeno aeroporto local, atualmente utilizado apenas por aviões agrícolas, em um aeroporto civil completo "com o objetivo de melhorar o transporte, os negócios e o turismo", conforme reportou a SANA, a agência oficial de notícias da Síria. O anúncio coincidiu com os primeiros ataques ao aeroporto de Damasco, forçando seu fechamento temporário ao tráfego aéreo internacional.
Além disso, as forças de segurança estão protegendo cada vez mais um círculo de postos de controle em torno das possíveis fronteiras do Estado alauita. A área montanhosa no centro do território alauita se ergue ao leste de Tartus, separando a cidade de boa parte da Síria. Ao longo das montanhas, o rio Orontes cria uma linha que separa os alauitas do centro da Síria. Comandantes militares rebeldes da província vizinha de Hama afirmam que soldados do governo mantêm fortes postos de controle nas estradas que atravessam a montanha.
Muitos comandantes alauitas do exército de Assad enviaram as famílias a seus vilarejos natais e, por essa razão, protegem agressivamente a área, afirmou Hassan M. al-Saloom, comandante de um batalhão rebelde. Os alauitas formaram comitês para resguardar os vilarejos, afirmou, e frequentemente negociam tréguas locais.
- Ninguém entra e eles não saem - afirmou.
Há uma desconfiança generalizada entre os opositores de que as forças militares estariam enviando armas para o interior do território alauita. - É muito difícil atacar as montanhas e a região costeira - afirmou al-Saloom.
Castelos deixados por cavaleiros cruzados povoam a costa síria e são um testamento de seu valor estratégico.
Se Assad fugir para Tartus, poderia buscar proteção na base naval russa localizada na cidade, ou tentar fugir do país em uma embarcação russa. A Rússia anunciou recentemente que enviaria uma pequena flotilha em direção a Tartus, possivelmente para evacuar cidadãos russos que vivem na Síria. Mas os habitantes de Tartus afirmam que as famílias russas da base naval já deixaram o país, ao passo que os oficiais não saem da base, que não passa de uma área murada próxima ao porto civil.
Essa não seria a primeira republiqueta formada na região. A França era a potência colonial no início do século XX e manteve um Estado alauita de 1920 a 1936, até que, por fim, este se fundiu para a criação do território que se tornou a Síria independente.
Comandantes militares da oposição juraram impedir qualquer tentativa de criação de um Estado alauita.
- Não deixaremos que o regime abandone Damasco, pois queremos garantir que o regime finalmente caia quando a capital for tomada - afirmou um comandante do alto escalão do exército rebelde em Homs, que pediu para não ter o nome revelado por questões de segurança. Em uma recente reunião de comandantes militares da oposição no sul da Turquia, não havia ninguém representando os parcos comandos dos arredores de Tartus.
A guerra aumentou ainda mais a má reputação dos habitantes de Tartus, considerados indolentes por seu estilo de vida de cidade de veraneio. Ao contrário do restante da Síria, a cidade tem pão, diesel e eletricidade, com cortes de energia mínimos. O cinema local sempre está cheio e recentemente exibia Procurando Nemo" e "Cinema Paradiso".
A cidade foi palco de pequenos protestos contra o governo logo após o início da revolução em março de 2011, mas nada acontece desde então. O corretor de imóveis Abu Mohamed, de 35 anos, acompanha os conflitos no restante da Síria por meio das placas dos carros que chegam a seu escritório. Primeiro eram de Homs, depois de Deir al-Zour, então Aleppo e agora Damasco.
Mohamed recebe de 20 a 30 ligações por dia de pessoas à procura de casas para comprar ou alugar.
- Muitas delas nunca haviam estado na cidade, mas parecem ser pessoas ricas ou de classe média, a julgar pelos carros - afirmou. Além disso, um número cada vez maior de carros pretos do governo tem aparecido em Tartus nos últimos tempos, afirmou, além de uma série de intermediários em busca de casas grandes para "figuras importantes e influentes que querem se mudar com as famílias".
É difícil obter números precisos. Azzam Dayoub, chefe do escritório político do conselho revolucionário secreto de Tartus, afirmou que existem pelo menos 230 mil refugiados na cidade. Outros dizem que a população da província, que era de 1,2 milhões, já se aproxima dos dois milhões. A maior parte dessas pessoas é alauita, incluindo inúmeros funcionários do governo que retornaram a sua província natal. Contudo, muitos outros são sunitas, cristãos ou pessoas ligadas ao governo e que não se sentiam seguras em outros lugares.
Dayoub afirmou que os alauitas da cidade impediram outras minorias e membros da maioria sunita da Síria de entrarem nos bairros e um lado não frequenta mais as lojas do outro. A população sunita está reunindo armas para lutar contra qualquer tentativa de expulsão no futuro, afirmou.
A grande presença de não alauitas na costa fez com que muitas pessoas sugerissem que a criação de um Estado alauita seria impossível. A grande cidade costeira de Latakia, por exemplo, possui um aeroporto internacional e seria uma escolha mais óbvia para capital, mas é considerada menos segura para a população alauita, em função dos frequentes conflitos no local.
Segundo o relato de diversos residentes, em Tartus há poucas conversas públicas sobre a crise que toma conta da Síria. - Ninguém quer falar abertamente sobre o que sente, não importa em que lado esteja - afirmou uma mulher de 29 anos que preferiu manter o anonimato. - As pessoas querem manter a calma porque todos estão assustados.
The New York Times
Cidade litorânea é último recurso de apoiadores do regime sírio
Partidários do presidente Bashar al-Assad buscam refúgio em Tartus, município portuário às margens do Mediterrâneo que oferece segurança e tranquilidade para os novos moradores
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