Tel Aviv, Israel - Os textos, escritos em grades metálicas, muros de pedra e placas de neon, às vezes desaparecem entre uma aula e outra. Os temas são pluralismo, justiça econômica, o conflito palestino-israelense - e gramática, sempre um pouco de gramática pelo meio.
As aulas de hebraico de Guy Sharett são ministradas numa classe caminhante, nas ruas e alamedas de Florentin, seu bairro, onde novas palavras no vocabulário são misturadas num currículo em constante alteração.
- Saia da televisão, comece a viver - disse Sharett, traduzindo uma frase rabiscada no começo de uma aula recente, seguido por uma dúzia de estudantes ávidos por entender a vida das ruas de Tel Aviv - assim como o antigo idioma falado nelas.
Ele puxou uma pequena placa branca para dividir a pichação à sua frente. A primeira parte da frase, "Tzay mayhatelevizia", usava o imperativo - saia -, enquanto "tatchil lichayot", comece a viver, estava no tempo futuro.
- Para nós, soa pomposo e arcaico demais - explicou. - Então usamos apenas o futuro.
Alguns minutos antes, eles haviam analisado uma placa exortando donos de cachorros a não permitir que seus animais se aliviem perto de um edifício. Em seguida, uma imagem de Theodor Herzl, o pai do sionismo, com seu famoso mantra "Se você tem a disposição, isso não é um sonho", transformado em "Se você não quer, é porque não precisa". Aqui, um verso do artista de rua e poeta Nitzan Mintz. Ali, a icônica imagem de uma criança do Gueto de Varsóvia, com a frase "Não me deporte", redirecionada à atual crise de trabalhadores migrantes da África que inundam Tel Aviv.
- Eles dependem de um conhecimento cultural que você não necessariamente possui - afirmou uma aluna, Marcela Sulak, que está aqui há dois anos como diretora do programa de redação criativa da Universidade Bar-Ilan. - Ele lhe ensina as ferramentas para que você possa descobrir por conta própria. Você está aprendendo o hebraico de que precisa no dia a dia, apenas observando a vizinhança.
As aulas de uma hora de duração, que custam 50 shekels (cerca de US$ 12), são organizadas pelo Facebook. Elas surgiram dos protestos do último verão, quando os alunos de hebraico tradicional de Sharett ficaram curiosos quanto às placas no acampamento da Rothschild Boulevard - e ele começou a levar os alunos para aulas ao ar livre. Depois que as tendas do protesto foram removidas, ele decidiu basear seu novo programa nos muros cobertos por pichações.
- Não é apenas para ensinar o idioma, mas também para ensinar cultura - explicou Sharett. - Alguém pegou uma frase de uma música que todos conhecíamos e alterou uma palavra - é muito difícil entender se você não tem alguém daqui para explicar.
Sharett, de 40 anos, tem um emprego regular numa empresa de televisão, mas dá aulas particulares de hebraico há vários anos. Além do curso das pichações, ele oferece passeios pelo mercado de temperos da cidade ("Acorde e sinta o cheiro do zatar"); sessões de compras e culinária com um chef renomado ("Enquanto picamos, aprendemos os nomes dos vegetais"); e passa a versão local de "American Idol", com uso frequente do botão de pausa para traduzir gírias e piadas ("Isso é o básico da israelidade", disse ele).
Filho de uma artista e um capitão de rebocador cuja casa em Ashdod era "como um salão de beleza francês", Sharett é algo como um erudito da linguagem.
- Tínhamos um vizinho turco, então comecei a aprender turco; havia uma babá alemã, então comecei a aprender alemão - contou ele.
Aos 16, ele conseguiu um emprego na torre de controle do porto.
- Ali eu tinha de conversar no rádio com capitães em diferentes idiomas para pedir que levantassem a âncora - mas somente termos marítimos, que não posso realmente usar na vida cotidiana.
Os alunos em seus passeios querem termos que possam usar no dia a dia - muitos são desistentes do "ulpan", as aulas de imersão oferecidas gratuitamente a novos imigrantes. Um recente passeio de pichações incluía uma acadêmica chinesa de pós-doutorado; um funcionário do Google de Rhode Island, com 28 anos; um analista financeiro e poeta que é casado com uma israelense; um professor britânico que mora aqui há 20 anos; Sulak, cuja filha de 5 anos dormiu durante todo o tempo em seu carrinho; e um professor de política do Oriente Médio da Universidade da Cidade de New York em licença.
- Política de rua é onde tudo acontece - afirmou o professor, Dov Waxman, de 37 anos. - Na maioria dos lugares, o grafite é marcação ou arte. Aqui, você pode realmente ler a política. Eu ando por aí e analiso por conta própria, mas nem sempre entendo tudo.
Xioayan Wu, a acadêmica de pós-doutorado, estuda hebraico com Sharett há três meses, e era a primeira a responder a maioria de suas perguntas de gramática.
- Você obtém uma memória mais contextualizada - explicou ela sobre o aprendizado nas ruas. - O melhor é que posso voltar aos locais e revisar quando quiser.
Aqui, pode-se ter uma lição sobre como é fácil inventar palavras - um estúdio de tatuagem chamado, basicamente, "tatooismo" - usando as letras hebraicas yud, zayin e mem para acrescentar o "ismo". Ali, uma porta escura exibe os onipresentes sinais de trânsito apontando de um lado para Tel Aviv e do outro para Jerusalém - mas a seta para Jerusalém aponta para um homem ultraortodoxo rezando. Uma frase declara: "Judeus e árabes se recusam a ser inimigos". Uma placa usa a palavra "agudah", associação, que Sharett indicou como sendo a mesma raiz para a empresa israelense de ônibus, a Egged, pois os ônibus ligam um local a outro.
E de repente uma nova loja de conveniência da ampm, uma das muitas redes que hoje permeiam as ruas de Florentin.
- Nós pronunciamos Ahm-Pahm - disse Sharett ao grupo. - Se quiser impressionar seus amigos israelenses, diga 'Ani holech l'ahm pahm, que significa 'Estou indo para o ampm'.