Passava das 2h deste sábado e a Praça das Armas, no centro de Assunção ainda trazia marcas das 31 horas mais insanas das últimas décadas no Paraguai: faixas diziam "não ao golpe express", "não ao julgamento político", barreiras metálicas estavam desmontadas ao longo da rua e uma forte presença policial em frente ao Congresso.
Quatro estudantes - das faculdades de Filosofia, Engenharia, História e Informática - resistiam ao frio de 9ºC. Estavam ali havia pelo menos seis horas. Chegaram cedo, quando o local ainda estava cheio de apoiadores do presidente deposto Fernando Lugo. Afixaram duas bandeiras do Paraguai na barreira metálica de isolamento.
Ouviram o anúncio da aprovação do impeachment. Correram quando os manifestantes investiram contra a polícia, que reagiu com jatos de água e balas de borracha. Quando a multidão foi dispersada, eles ficaram. Os quatro simbolizavam o constrangedor fim das 31 horas em que a América Latina assistiu - surpresa - ao Paraguai destituir um presidente e entronar outro em uma sucessão muito rápida de fatos. Os jovens não entendiam por que estavam sozinhos.
- Para onde foi todo mundo? - questionava um deles.
Outro, chamado Héctor, tinha uma explicação indignada:
- Nós, paraguaios, somos estúpidos. Deixamos que os políticos façam as coisas, simplesmente aceitamos.
De tempos em tempos, um terceiro desafiava os policiais que guardavam o prédio do Congresso:
- Vocês entendem de história do Paraguai?
- Levante a mão um só que saiba o que aconteceu aqui.
Os gritos rompiam o silêncio da praça, só quebrado pelo latido de cães. Os quatro estudantes tentavam romper com a resignação dos compatriotas. Mas o próprio discurso de Lugo, ao aceitar a decisão do Senado, desestimulou os seguidores.
- Sair pela porta do coração dos compatriotas? - ironizava Héctor, referindo-se a uma das frases do presidente deposto.
Ao não esboçar resistência, ele acabou desestimulando os militantes. Na Praça das Armas, ao meio-dia, eram 2 mil pessoas, à noite, 5 mil, às 2h de sábado, quatro - Héctor e os amigos.
- Essa história de que viriam agricultores de todo o país para a capital para defender Lugo nunca aconteceu. Seria muito caro para eles, e são gente muito pobre, sem recursos - explicou um jornalista do diário Última Hora.
O processo de impeachment, previsto na Constituição de 1992, é, na opinião de um simpatizante de Lugo "legal, mas imoral". Para alguns paraguaios, foi melhor assim: rápido, sem tanques nas ruas, sem sangue. Nem os boatos de que uma divisão de blindados deixaria Cerrito rumo a Assunção para defender o presidente não se confirmou.
- Melhor assim - resignava-se o recepcionista de um hotel no centro da cidade. Não queremos outro "março paraguaio".
É assim que os paraguaios se referem a outro episódio trágico de sua história. Em 23 de marco de 1999, o então vice-presidente Luis María Argaña foi assassinado em uma emboscada, em uma rua central de Assunção. A repressão às manifestações culminou na morte de sete jovens.
- Desta vez, fizeram tudo muito rápido para que não houvesse comoção - completou o homem.
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