Mae Sai, Tailândia - As últimas notícias sobre Mianmar falam em esperança e reconciliação, enquanto o país troca sua ditadura militar por uma democracia nascente. No entanto, o que realmente vem atravessando a fronteira de Mianmar é uma onda de drogas ilícitas.
Uma das maiores indústrias do país - a fabricação de heroína e metanfetaminas - vem prosperando na área ao longo da fronteira com a Tailândia conhecida como Triângulo Dourado, conduzida por membros de grupos étnicos fortemente armados.
- Eles estão atravessando uma quantidade enorme de comprimidos - afirmou o major-general Somsak Nilbanjerdkul, diretor de um centro de comando organizado pelo governo da Tailândia para coordenar as ações antidrogas.
- A democracia está florescendo na Birmânia, mas as atividades ilegais estão partindo para regiões onde não existe lei e ordem.
Mianmar também é conhecido como Birmânia.
O aumento do tráfico destaca a profundidade dos desafios enfrentados por Mianmar, enquanto o presidente Thein Sein avança com seu cronograma de reformas. Áreas pobres, onde o governo central possui pouco controle, continuam sendo a maior base de produção de drogas no Sudoeste Asiático. Se atacar os sindicatos das drogas, Thein Sein - que foi comandante militar no Triângulo Dourado - corre o risco de afastar os grupos étnicos que vem tentando atrair para seu programa de reconciliação nacional.
No sombrio submundo das drogas, ninguém sabe ao certo o que vem causando a escalada do tráfico, mas autoridades tailandesas descrevem pelo menos parte do aumento como uma espécie de dividendo perverso da paz. Thein Sein, no poder há 13 meses, vem se esforçando muito - e em muitos casos obtendo sucesso - para assinar acordos de cessar-fogo com grupos rebeldes.
Segundo Thanut Choommanoo, chefe de uma unidade tailandesa de polícia investigativa, os grupos étnicos "não precisam mais lutar, e por isso colocaram seus soldados na produção de drogas".
O general Somsak oferece uma explicação diferente. Ele afirma haver uma desconfiança persistente entre o governo de Mianmar e grupos étnicos - e um sentimento, entre os traficantes, de que precisam ganhar dinheiro com suas atividades ilegais enquanto podem.
- Eles estão inseguros quanto ao resultado da reconciliação para seus negócios - explicou ele. - E precisam vender o máximo possível de seus produtos ilegais.
O cultivo de ópio está em ascensão há vários anos, bem antes do início das iniciativas democráticas. Segundo analistas, os agricultores da região do Triângulo Dourado estão se voltando para o ópio porque os preços subiram novamente nos últimos anos - e porque as iniciativas do governo para fazê-los plantar alimentos não se mostraram suficientemente rentáveis.
No entanto, o crescimento mais significativo parece estar no comércio de comprimidos.
Autoridades antinarcóticos do lado tailandês da fronteira costumavam impressionar seus chefes quando anunciavam apreensões de dezenas de milhares de pílulas de metanfetaminas. Hoje, isso se tornou rotineiro.
- Agora só ficamos empolgados quando encontramos centenas de milhares - ou milhões - afirmou Thanut, que trabalha na cidade de Mae Sai, um dos principais pontos de travessia para traficantes de Mianmar.
De outubro a março deste ano, as autoridades tailandesas apreenderam 31,3 milhões de comprimidos de metanfetamina - um aumento de 45 por cento frente ao ano anterior, quando a apreensão atingiu 21,6 milhões de comprimidos, segundo um recente relatório governamental. Parte do aumento vem de um policiamento mais agressivo, explicou Thanut, mas é "inegável que há mais drogas cruzando a fronteira".
Os traficantes vêm usando uma variedade de métodos para passar com as drogas. Muitas vezes armados com granadas, eles viajam por pequenas trilhas em montanhas cobertas por selvas. Alguns escondem as drogas em caminhões de produtos agrícolas.
No ano passado, a polícia encontrou 2 milhões de comprimidos de metanfetaminas escondidas sob uma pilha de abóboras. Carregamentos menores de drogas são simplesmente arremessados através da fronteira. O Rio Sai, que separa os dois países, é tão estreito que os traficantes conseguem atirar sacolas com pílulas para o lado tailandês, onde são recolhidas por cúmplices.
Ao longo dos últimos três anos, funcionários corruptos em hospitais tailandeses têm ajudado a indústria das drogas, vendendo a gangues em Mianmar milhões de comprimidos de pseudoefedrina - usada na produção da metanfetamina, segundo autoridades que realizam uma investigação contínua na Tailândia. As pílulas brutas são enviadas para Mianmar, processadas em metanfetaminas e contrabandeadas de volta à Tailândia, dizem investigadores.
Estima-se que 48 milhões de pílulas brutas tenham sido furtadas ou desaparecido de hospitais públicos desde 2008, de acordo com a Junta de Controle de Narcóticos da Tailândia.
Durante décadas, o ópio e seu derivado, a heroína, foram os principais produtos das gangues do tráfico no Triângulo Dourado, que é definido pela região onde se encontram as fronteiras da Tailândia, Mianmar e Laos.
Os sindicatos de drogas começaram a focar mais em metanfetaminas na década de 1990, quando o Afeganistão aumentou sua produção de ópio. Mas nos últimos cinco anos, a agricultura de ópio, que é a principal fonte de renda para muitos aldeões no norte de Mianmar, já se recuperou, segundo uma pesquisa anual divulgada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
No ano passado, enquanto as iniciativas democráticas de Thein Sein tomavam forma, o cultivo de papoulas do ópio em Mianmar aumentou 14 por cento, o quinto aumento anual consecutivo, segundo a pesquisa - que é conduzida com o uso de imagens por satélite e vigilância com helicópteros.
Grande parte do norte de Mianmar é montanhosa e com poucas estradas, tornando relativamente fácil ocultar atividades ilícitas. Mas a ampla área dedicada ao cultivo de papoulas - 43.600 hectares, de acordo com a ONU - sugere que as autoridades locais estão, na melhor das hipóteses, fazendo vista grossa à produção de drogas.
Segundo Somsak, autoridades da fronteira de Mianmar estão "absolutamente" envolvidas no tráfico. Membros do governo são frequentemente vistos em carros que custam o equivalente a US$ 100 mil, garantiu ele.
- Seus salários são menores que os de nossos sargentos - declarou Somsak. - Onde eles conseguem esse dinheiro?
O relacionamento entre o governo de Mianmar e o tráfico de drogas é complexo e entrelaçado à delicada política que envolve a maioria de etnia bamar do país e os muitos outros grupos étnicos, que enfrentam os militares há cinco décadas.
No norte, as milícias aliadas ao governo - oficialmente chamadas de Forças Milicianas do Povo - são grandes participantes da indústria das drogas. O governo apoiou esses grupos durante anos, como uma maneira de contrabalançar o poder dos maiores grupos étnicos minoritários - incluindo os wa, os kachin e os shan, todos com grandes exércitos particulares.
Mas Wichai Chaimongkhon, diretor da Junta de Controle de Narcóticos, agência civil que supervisiona os esforços antidrogas ao longo da fronteira com Mianmar, diz que o tráfico de drogas é ainda mais abundante nas áreas fora do controle do governo.
- A maior parte de produção de drogas ocorre nas zonas especiais - declarou ele, referindo-se ás áreas controladas por grupos étnicos. - Aplicar a lei nessas regiões está além da capacidade do governo.
Ele disse existir uma discussão entre os grupos étnicos: alguns líderes querem continuar traficando drogas, enquanto outros "preferem administrar negócios legalizados".