Chulwe, República Democrática do Congo - Quando seu irmão foi raptado e cortado em pedaços na floresta, em 2008, nem o exército congolês, nem as forças de paz da ONU posicionadas aqui fizeram qualquer coisa para protegê-lo, disse Guillaume Sadiki Bantu. Quando seu sobrinho foi assassinado em outro ataque, em fevereiro, foi a mesma coisa.
- Somos como órfãos, sem pai nem mãe - somos um povo abandonado - declarou Sadiki Bantu, nas montanhas do leste do Congo. "Então decidimos lutar." À sua volta, jovens armados com facas e facões, até mesmo uma lança. Eles se autodenominam Raia Mutomboki, ou Aldeões Nervosos.
Numa região onde poucos confiam no exército nacional, essas milícias de autodefesa há muito são formadas como fonte de proteção. Mas para muitos, incluindo profissionais humanitários, os Aldeões Nervosos se tornaram mais uma ameaça _ o mais novo elemento para abastecer o ciclo aparentemente interminável de violência no Congo.
Na melhor das hipóteses, as milícias agravaram uma crise humanitária que já era séria num dos países mais pobres do mundo, segundo autoridades de ajuda humanitária.
Nos últimos meses, confrontos entre as milícias e grupos armados obrigaram dezenas de milhares a saírem de suas casas. Estima-se que até 1,2 milhão de pessoas tenham sido desalojadas em apenas duas províncias, Kivu do Norte e do Sul, segundo a ONU. De dezembro de 2011 até o final de março, 128 mil pessoas haviam sido desalojadas somente em Kivu do Sul.
- Segundo qualquer padrão, essa é uma grande crise - afirmou Kristalina Georgieva, enviada europeia para ajuda humanitária, que visitou o Congo em março. Numa nação do tamanho da Europa Ocidental, e cujas riquezas minerais são há tempos desviadas por gangues armadas e governantes corruptos, a violência é uma maldição constante.
Um conflito de cinco anos, que arrastou diversos países vizinhos, terminou oficialmente em 2003, depois de ceifar entre 3 e 4 milhões de vidas. Em dezembro passado, Joseph Kabila foi declarado vencedor das eleições presidenciais, o que gerou críticas de monitores internacionais. Mesmo assim, em grande parte do país o poder de seu governo permanece fraco - ou inexistente.
No norte, o Exército da Resistência do Senhor, força de guerrilha liderada por Joseph Kony, continuou realizando ataques e aterrorizando a população. Aqui no leste, as pessoas vivem com medo de inúmeros grupos guerrilheiros, apesar da presença de uma grande operação de paz da ONU. Alguns desses grupos armados começaram como forças locais de defesa, mas acabaram se transformando em milícias que afligem os mesmos civis que deveriam proteger.
Os Aldeões Nervosos pegaram em armas no ano passado, quando o exército congolês se retirou de localizações importantes nesta e outras áreas para se reorganizar e absorver milhares de ex-milicianos - num esforço para acabar com a anarquia. Desde então, a carnificina só aumentou.
Segundo Sadiki Bantu, que se descreve como comandante, ele e seus homens se organizaram para combater os grupos de guerrilha que, durante anos, atacaram pessoas na densa floresta do Congo, matando, roubando e estuprando a bel-prazer.
Ele diz que seus homens mataram 50 combatentes inimigos - guerrilheiros das Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, conhecida por suas iniciais francesas, FDLR. A organização inclui remanescentes dos combatentes hútu, responsáveis pelo genocídio de Ruanda, em 1994, e que desde então encontraram refúgio no Congo.
Não é difícil encontrar fugitivos da violência dos guerrilheiros da FDLR. A alguns minutos de caminhada da sede do centro de saúde de Chulwe, Bulonza Mazuku, seu marido e oito filhos chegaram a pé em 6 de março. Eles não tinham nada além das roupas do corpo, de tão rápido que fugiram enquanto os guerrilheiros saqueavam sua casa e se preparavam para queimá-la.
Mais abaixo na estrada, a vila de Nzibira está repleta de pessoas como eles. Quase 1.200 famílias buscaram abrigo ali, segundo a Malteser International, que oferece atendimento médico. No total, mais de 4 mil famílias chegaram a cinco vilas da região.
Os números aumentaram quando as milícias reforçaram seus ataques, em retaliação pelas ações dos Aldeões Nervosos - que, segundo autoridades do exército congolês e trabalhadores humanitários, também mataram familiares de membros da FDLR.
- As coisas ficam difíceis quando há uma situação onde Raia Mutomboki começa a atacar a FDLR e seus familiares - explicou Paulin Bishakabalya Kokere, funcionária da Malteser International.
- Isso provoca vingança e um ciclo vicioso de violência.
Faida Ombeni, de 20 anos, disse ter tido certeza de que iria morrer no ano passado, em fevereiro, quando homens armados - que ela acredita serem guerrilheiros da FDLR - a encontraram escondida numa cabana. Ela foi espancada e estuprada por seis atacantes. Eles enfiaram um pedaço de tecido em sua boca para abafar os gritos.
Após o ataque, ela ficou grávida. Seu marido a abandonou, deduzindo que o bebê não era dele. Em seguida, outra rodada de ataques da FDLR a obrigou a fugir novamente, dessa vez para Nzibira - onde ela dorme no chão de uma casa compartilhada por cerca de 30 pessoas.
Das 676 pessoas que chegaram a centros do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em outubro e novembro, 506 afirmaram ser vítimas de estupro, a maior parte em casos relacionados aos conflitos.
Embora os Aldeões Nervosos tenham apenas 25 armas de fogo e pouca munição, eles se tornaram o mais problemático dos 20 ou mais grupos armados que operam na região, declarou o coronel Delphin Kahimbi, comandante das operações do exército congolês em Kivu do Sul.
O grupo não só atacou guerrilheiros da FDLR, mas também soldados do exército que falam kinyarwanda, o idioma oficial da vizinha Ruanda. O grupo matou menos combatentes da FDLR do que alega - apenas dois ou três, segundo Kahimbi _, mas assassinou cerca de 40 de seus familiares, ataques que geraram um novo ciclo de retaliação.
- Existe uma tendência a rejeitar a presença de todos os ruandeses - afirmou Kahimbi. - Eles são um problema, são hostis ao nosso exército graças à presença de alguns ruandeses. Não podemos dar a uma pequena comunidade a chance de julgar nosso exército e impor sua vontade.
Ele garantiu não precisar de nenhuma ajuda das milícias para proteger sua região, e argumentou que o exército congolês, com apoio logístico das forças de paz da ONU, estava a caminho de erradicar os guerrilheiros da FDLR em seis meses. Segundo ele, dos 3.600 combatentes da FDLR em Kivu do Sul, apenas 600 permanecem ativos - uma afirmação que a FDLR descartou como "propaganda".
Muitos habitantes locais estão menos confiantes nas forças de Kahimbi do que o próprio. Para Joseph Bupande Mumembwe, chefe da vila de Luyuyu, onde 30 pessoas foram mortas em janeiro - incluindo uma mulher grávida cuja barriga foi aberta a faca, contou ele -, as milícias de autodefesa são a única e fraca esperança.
- Raia Mutomboki é uma boa organização - disse ele. - Eles querem apenas salvar vidas.